sábado, 30 de agosto de 2014

O Empirismo de David Hume


David Hume foi um filósofo escocês que radicalizou o empirismo. A princípio, suas idéias são semelhantes às de Locke:

O pensamento possui duas fontes:

- A Impressão - é o contato direto dos sentidos com os objetos externos. (O que Locke chamava de Sensação).

- As idéias - é a lembrança enfraquecida das impressões. De fato, há diferença entre a experiência direta de algo e a sua representação mental, isto é, a sua lembrança.

Por este motivo, dizemos que a Impressão é mais intensa, e as idéias, que derivam das impressões, são mais pálidas, isto é, menos intensas. A experiência dos sentidos, então, é a origem de todo o conhecimento humano.



Hume afirmava, também, que possuímos em nós o hábito de relacionar as idéias umas às outras através de três critérios: a semelhança, a proximidade espacial e a proximidade temporal. Por exemplo: se encontramos uma pessoa parecida com uma outra, não apenas vemos a pessoa, mas lembramos da outra; se vemos uma flor que costumava sempre estar nos cabelos de uma mulher, tendemos a associá-las. Daí, quando vimos a flor, lembraremos da mulher. O mesmo ocorre com perfumes. 

Além disso, se um fato ocorre imediatamente depois de outro, também tendemos a associá-los, dizendo que os primeiros são causas dos segundos. Por exemplo: se alguém emborca a sandália e, em seguida, ocorre algo ruim com ele, dizemos que isto ocorreu porque ele deixou a sandália emborcada, etc. Para Hume, esta é a natureza da causalidade.

Há aqui um problema.

Ao notar que as idéias referem-se sempre a experiências sensoriais (dos sentidos) e, em seguida, percebendo que estas experiências se dão sempre com seres particulares (individuais), como podemos ter em nós idéias gerais?

Demos um exemplo: se eu só vejo uma ou outra pessoa morrerem, como eu posso, porque vi três ou quatro pessoas assim, dizer que todas morrem? Outro exemplo: eu vejo vários animais e noto que, quando estão vivos, eles respiram. Mas eu sempre os vi como seres particulares. Eu nunca vi todos os animais. Portanto, não é possível saber sobre todos os animais. No entanto, eu digo que todos os animais vivos respiram. Na verdade, eu somente poderia me pronunciar sobre aqueles com os quais eu tive contato, e não sobre todos, uma vez que nós não conhecemos todos os animais.

Esse mecanismo de partir de experiências particulares e, com base nelas, ir para afirmações gerais, chama-se indução e é a base de todo o conhecimento científico. Quando a ciência percebe que um fato ocorre sempre nas mesmas condições - por exemplo, a água ferve aos 100 ºC -, então ela chama isso de lei e diz que aquilo ocorrerá sempre. Mas, na verdade, tudo o que ela sabe é que esse fenômeno aconteceu somente nos casos observados. Não há, portanto, uma ligação necessária entre a causa e o efeito. 


Quando vamos jogar sinuca, sabemos que, para derrubarmos uma bola, é preciso acertar outra (a branca) com um taco. Aqui há uma série de causalidades: o movimento do braço causa o movimento do taco, que causa o movimento da bola branca, que causa o movimento da bola que vai cair. Ora, supor que todas as vezes que acertarmos a bola branca, ela vai se mover é uma afirmação geral que, simplesmente, é impossível de se fazer. 



Lembremos que todo o nosso conhecimento vem da experiência, e nós ainda não temos experiência das tacadas futuras. A rigor, o que vemos nas vezes que jogamos é que há fenômenos separados: o taco se move, a bola branca se move, a outra bola se move. No entanto, a relação entre esses fenômenos não é apreendida pela mente; ela é criada, é afirmada, por um mecanismo de associação. Como o movimento do taco vem antes do movimento das bolas, geramos em nós a idéia de que uma coisa causa a outra, mas essa idéia da causalidade não vem da impressão; ela é criada por nós. Ora, se não vem da impressão, então não tem fundamento, pois toda idéia, para ser correta, tem de vir da experiência sensível.

Ao afirmar que a causalidade é uma afirmação geral e que, no entanto, as afirmações gerais não têm fundamento, Hume ensina que a Ciência é impossível. Não é possível fazer afirmações gerais sobre nada porque as nossas impressões, fontes de todas as idéias que temos, são sempre impressões particulares.

Essas nossas idéias gerais surgem do nosso costume de associar os fenômenos. Mas a associação não é um dado da experiência, é uma construção mental. A razão humana, portanto, pode ser definida como o hábito de fazer associações.

Lembremos as causas da associação:

- Semelhança;
- Proximidade espacial;
- Proximidade temporal.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Empirismo: John Locke


O Empirismo é uma corrente filosófica que, ao contrário do racionalismo, afirma que são os sentidos que exercem um papel primordial nas idéias humanas. Descartes, que era racionalista, dizia que os sentidos não são confiáveis. Os empiristas dirão justamente o contrário: tudo vem por meio deles. Portanto, se não se deve confiar nos sentidos, tampouco se pode confiar na razão, pois todas as idéias humanas, sem exceção, vêm pelos sentidos.

A palavra empirismo vem do grego empeiria que significa "ter experiência" por meio dos sentidos. Lembremos que estes sentidos de que falamos são os cinco sentidos através dos quais conhecemos o mundo: a visão, a audição, o olfato, o paladar e o tato.

Iremos estudar a teoria de dois filósofos empiristas: o inglês John Locke (1632 - 1704) e o escocês David Hume (1711 - 1776).

JOHN LOCKE



Afirmava que, quando nascemos, a nossa mente é uma tábula rasa, isto é, uma folha em branco onde nada ainda tinha sido escrito. A mente humana, no início, não possui nenhuma idéia. Com isso, ele negava as idéias inatas de Descartes, que seriam idéias que nasceriam com a pessoa. Para Locke, essas idéias não existem, pois todas as idéias que possamos ter têm sua fonte dos sentidos humanos.

O conhecimento humano possui duas fontes:

- A sensação - são as idéias provenientes do contato direto dos sentidos com os objetos externos. Se vimos uma cor azul, temos uma sensação visual e, então, a idéia vinda dessa sensação: a idéia de azul. Se escutamos uma voz grave, temos uma sensação auditiva que gera em nós a idéia de grave. Se tocamos uma superfície fria, temos uma sensação tátil que gera em nós a idéia de frieza, etc.

- A reflexão - quando temos as idéias provenientes diretamente dos sentidos, essas idéias permanecem em nós mesmo quando o objeto que provocou a sensação se afasta do nosso contato. Por exemplo: se andamos na rua e percebemos que o céu tem um som rosado, essa cor permanece na nossa mente, mesmo quando anoitece. Isso ocorre porque temos memória. Temos, então, na mente, várias idéias. Estas idéias podem ser comparadas, somadas, compostas umas com as outras, etc. Assim, o conhecimento humano também se forma dessa atividade da mente com as próprias idéias. A idéia de reflexão indica o dobramento da mente (flexão) sobre si mesma (re), é um tipo de pensamento sobre os próprios pensamentos.

As idéias provindas das sensações são chamadas de idéias simples, e, nelas, a mente é passiva, isto é, não age; apenas recebe.

As idéias provindas da reflexão são chamadas de idéias complexas, e, nelas, a mente é ativa, isto é, age sobre as próprias idéias.

As coisas externas possuem dois tipos de qualidade:

- As primárias - existem mesmo nas coisas. São o movimento, o repouso, a quantidade, a forma, o tamanho, etc.

- As secundárias - existem no sujeito e são, pelo menos em parte, subjetivas e relativas. São a cor, o gosto, o som, etc. Se prestarmos atenção, o gosto que sentimos de uma fruta - por exemplo: a azeitona verde - varia de pessoa para pessoa. Uns acharão que é bom, e outros dirão que não é. Uma mesma pessoa pode ter o seu gosto alterado; é o que acontece com certos degustadores de vinho ou café. Uma pessoa pode apreciar uma peça musical de modo mais rico e completo do que outra, e discordar quanto à beleza do que foi ouvido. É possível ainda discordar de tonalidades de cores: azul turquesa ou verde piscina? 

Todos esses exemplos nos dizem que as qualidades secundárias não nos dão informações seguras sobre como são os objetos, uma vez que nós mesmos discordamos quanto a elas.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Pessoal dos terceiros anos

Não tive tempo ainda de escrever o texto a respeito do assunto. Mas o farei nesta sexta à noite. Portanto, vão estudando pelo caderno e pesquisando em outros sites. Lembrando: o assunto do instrumento avaliativo será John Locke e David Hume. Do primeiro, basicamente as fontes e os tipos de idéias. Do segundo, o problema da indução e da causalidade. Abraço.

A Política de Aristóteles


A Política pode ser entendida como o modo de organizar a sociedade visando o bem comum. Nesta definição, há algumas coisas a se considerar:

Primeiramente, o que é uma sociedade? Sabemos que é um agrupamento de pessoas. Essas pessoas, para viverem de modo ordenado, devem nutrir interesses fundamentais comuns. Esses interesses, base da amizade e da concordância entre pessoas, são referidos pelo termo filia, que quer dizer amizade ou companheirismo. E, para conseguir isso, torna-se importante educar os cidadãos. A educação, portanto, é fator essencial na sociedade.

Uma sociedade é formada por indivíduos, como se sabe. No entanto, ela não vive para os indivíduos tomados particularmente, mas, pelo contrário, são os indivíduos que vivem para a sociedade. Com efeito, quando um indivíduo nasce, a sociedade já existe. Quando ele morre, a sociedade permanece. Portanto, a sociedade é anterior e posterior aos indivíduos considerados isoladamente.

"O todo deve necessariamente ter precedência sobre as partes." (Aristóteles)

Isso nos leva a questionar o seguinte: qual é a relação entre o indivíduo e a sociedade? Como seria o indivíduo se ele não fosse incluído numa sociedade e vivesse isolado? Seria quem é ou seria diferente? Se a sociedade influencia a pessoa, até onde vai essa influência? Seria a pessoa um produto do seu meio?

Esse é um problema.

Aristóteles dirá que o ser humano é, por natureza, um animal social, isto é, ele tende essencialmente ao convívio com outros. Dizia que somente um animal ou uma divindade poderiam viver isolados.



Para conduzir a sociedade ao ideal do bem comum é fundamental entender o que é Justiça. Para Aristóteles, a Justiça é sobretudo distributiva, isto é, distribui-se o conveniente às pessoas não apenas de acordo à sua natureza comum, mas também de acordo com o seu mérito pessoal. Os desiguais ganham de modo desigual. Um médico, por exemplo, que trabalhe mais do que um outro preguiçoso, não deve receber o mesmo que este último, mas receber mais. No entanto, como as pessoas também têm necessidades que precisam ser supridas independentemente do seu mérito pessoal, existe a Justiça comutativa ou corretiva, que garante essa atenção. 

A justiça permite que a lei prevaleça contra as paixões ou inclinações individuais. Ela é a expressão política da ordem natural.

Quanto à organização da sociedade, Aristóteles permite que o governo se exerça de três modos, que são os únicos três modos possíveis. Com efeito, quem pode governar um povo? As únicas possibilidades são: uma pessoa só, um grupo de pessoas, ou a maioria das pessoas.

Ao governo de um só, chamamos Monarquia, que é o governo do rei.
Ao governo de um pequeno grupo ou elite, chamamos Aristocracia
Ao governo da maioria, chamamos Politéia.

Estes três modos de governo são legítimos quando se busca o bem comum, isto é, o bem de todos.

Aristóteles dirá que, assim como há três modos legítimos, há também três modos degenerados ou corrompidos de governo. Esses modos se dão porque o que se busca não é mais o bem comum, mas os interesses dos que governam. Os modos corrompidos são:

Tirania - quando o rei governa em função dos próprios interesses
Oligarquia - quando a elite governa em função dos próprios interesses
Democracia - quando a maioria governa em detrimento da minoria.



Algo a se notar, aqui, é que Aristóteles chama a forma corrompida de Politéia com o nome que define o nosso modo atual de governo: a democracia.

Democracia é o governo constitucional da maioria. Para Aristóteles, embora a maioria governasse, isso não deveria ser feito de modo a desconsiderar inteiramente os interesses das minorias. Porém, aqui há algo a se pensar: seriam todos os reclames das minorias realmente dignos de atenção? E aquilo que a maioria decide é, por isso mesmo, correto?

Haveria o certo e o errado objetivamente? Ou o que define o certo e o errado são as decisões da maioria das pessoas?

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Parmênides - Nada Muda.


É outro filósofo de quem se sabe pouca coisa. Eles são muito antigos e pouca coisa sobre eles se conservou. Nasceu em Eléia, sul da Itália. Provavelmente era de família rica e foi aluno dos pitagóricos. Escrevendo em forma de poesia, Parmênides é considerado o filósofo pré-socrático mais profundo. Portanto, é também o mais difícil deles.

Opondo-se a Heráclito, Parmênides dirá exatamente o oposto: "Nada muda".

De que modo pode uma pessoa afirmar que nada muda se nós testemunhamos diariamente a mudança em tudo quanto existe? Há mudanças de lugar, mudanças de aparência, e mudanças internas. Com que base, então, Parmênides pode dizer que não há mudança? Estudemos o seu pensamento.

Há duas principais frases de Parmênides que, se as entendermos, haveremos de estranhamente concordar com ele.

Primeira frase: O ser é e não pode não ser.
Segunda frase: O não ser não é e não pode ser.

Esclareçamos, primeiramente, o que é "ser". Na verdade, "ser" é tudo o que existe. Qualquer coisa que possua existência é ser: pedras, plantas, animais, pessoas, ets, anjos, Deus, etc.

A afirmação "é" significa "existe". Se uma coisa existe, ela é. A cadeira na qual estou sentado existe. Portanto, posso dizer que ela é.

A expressão "não ser" significa aquilo que não tem ser, ou seja, aquilo que não existe. Poderíamos substituí-la por "nada". Pode também ser traduzida por "não existir". A expressão" não é" significa "não existe". 

Traduzamos, então, as frases de Parmênides substituindo os termos pelo que eles significam.

A frase "o ser é e não pode não ser" ficaria assim: "o que existe existe e não pode não existir"; ou ainda: "o que existe existe e não pode deixar de existir".


A frase: "O não ser não é e não pode ser" ficaria assim: "o que não existe não existe e não pode existir"; ou ainda: "o nada não existe e não pode existir".

Agora, analisemos uma a uma. Comecemos pela segunda:

"O não ser não é e não pode ser" - "O nada não existe e não pode existir"

Dizer que o nada não existe é óbvio, pois vimos que tudo quanto existe é ser. Se o "não ser" existisse, ele seria ser. Não ser seria ser, o que não tem sentido. Portanto, o "não ser" ou "nada" não existe.

"Jamais se conseguirá provar que o não-se é" Parmênides

Além de não existir, o nada não pode se tornar ser. Do nada, nada se faz. O nada não pode criar o ser, pois criar é um ato. Uma pessoa só cria algo depois que existe. Se o nada pudesse criar o ser, então o nada teria de ser algo, teria de existir. Vimos, ao contrário, que o nada não existe.

Seria possível que o ser se criasse a si mesmo? Também não, pois, se isso fosse possível, o ser teria que existir antes de existir: se criar é um ato e o ser passa a existir depois de ser criado, como ele poderia criar a si mesmo antes de existir? Não é possível. Conclusão: o ser não tem inicio. Existe desde sempre.

Vejamos agora a primeira frase:

"O ser não é e não pode ser" - "O que existe existe e não pode deixar de existir".

Que o que existe existe é óbvio. Ninguém em sã consciência duvidaria. No entanto, será possível que o que existe não pode deixar de existir? Vejamos.

Se algo existente deixa de existir, isso só é possível de dois modos: ou o ser é destruído por outra coisa fora dele, ou o ser se destrói a si mesmo. Não há terceira alternativa. Vejamos as duas.

O ser pode ser destruído por algo fora dele? Não pode, pois se houvesse algo fora do ser, esse algo existiria. Ora, tudo o que existe é ser. Portanto, esse algo fora do ser também seria ser. Logo, não estaria fora do ser. Conclusão: não é possível que o ser seja destruído por algo fora dele.

O ser pode se autodestruir? Também não pode, pois a propriedade do ser é existir, é ser. Se ele se autodestruísse, teríamos de admitir que dentro do ser haveria algo de não ser. Este algo, existindo, já seria ser. Além disso, se há algo de não ser dentro do ser, isso significa que ser implica não ser, ou seja, que ser é não ser, ou ainda, que ser e não ser são a mesma coisa, o que é absurdo. Conclusão: o ser nunca morre; existe para sempre.



Portanto o ser é eterno: existe desde sempre e para sempre. Nunca teve começo e nunca terá fim. O ser é.

"Resta-nos assim um único caminho: o ser é. Neste caminho há grande número de indícios: não sendo gerado, é também imperecível; possui, com efeito, uma estrutura inteira, inabalável e sem meta; jamais foi nem será, pois é, no instante presente, todo inteiro, uno, contínuo. Que geração se lhe poderia encontrar? Como, de onde cresceria? Não te permitirei dizer nem pensar o seu crescer do não-ser. Pois não é possível dizer nem pensar que o não-ser é. Se viesse do nada, qual necessidade teria provocado seu surgimento mais cedo ou mais tarde? Assim, pois, é necessário ser absolutamente ou não ser. E jamais a força da convicção concederá que do não-ser possa surgir outra coisa. (...) Como poderia perecer o que é? Como poderia ser gerado? Pois se gerado, não é, e também não é, se deverá existir algum dia. Assim, o gerar se apaga e o perecimento se esquece." Parmênides

"Necessário é dizer e pensar que só o ser é; pois o ser é, e o nada, ao contrário, nada é." Parmênides

Ok, mas e o que isso tem a ver com mudanças? Tem tudo a ver. Vejamos:

O que é mudar? É deixar de ser o que era e tornar-se o que não era. Uma parede que muda do branco para o azul deixa de ser o que era (branco) e passa a ser o que não era (azul). Analisemos:

Deixar de ser o que era - Passar do ser ao não ser. A parede era branca e não é mais. Ora, a passagem do ser ao não ser não existe, conforme vimos acima. Logo, essa mudança é impossível. Além disso, vejamos a outra parte:

Passar a ser o que não era - Passar do não ser ao ser. A parede não era azul e passou a ser. A passagem do não ser ao ser também não é possível, como vimos. Logo, essa mudança é impossível. 

Ora, toda mudança implica sempre deixar de ser o que era e tornar-se o que não era. Acabamos de concluir que isso não é possível, pois implica uma passagem do ser ao não ser e do não ser ao ser. Ora, se não é possível fazer essa passagem, então também não é possível mudar. Se não é possível mudar, a mudança não existe.

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Como, então, vemos mudanças em tudo que existe?

Sempre que notamos uma mudança, são os nossos cinco sentidos que percebem. Se saímos na chuva e nos molhamos, é o nosso tato, confirmado pela nossa visão, que nos diz que nos molhamos. Se uma comida estraga, é o nosso olfato que nos diz, etc. Os sentidos percebem a mudança. No entanto, a razão nos diz, pela lógica (como vimos acima), que não há mudança.

Sentidos e razão estão em conflito. A quem devemos dar crédito? Parmênides dirá que os sentidos geram a opinião, que é incerta, e que cada um tem a sua. A razão, ao contrário, gera a verdade, que é segura e vale para todos. É a razão, então, quem está certa. Logo, não há mudanças. As mudanças que percebemos com os nossos sentidos são meras ilusões.



Além disso, o ser não tem divisões em si, pois uma divisão é sempre um fim de um ser e começo de outro. Se admitíssemos, por exemplo, que há seres, isto é, que há um ser e, depois, outro ser, então teríamos de dizer que o primeiro ser acaba para que possa começar o segundo. Ora, se o ser acaba, então há o não ser, aquilo que tornaria o ser finito. Se, pelo contrário, não há o não-ser, então o ser não pode possuir divisões. Logo, ele é inteiro e contínuo. Parmênides dirá que ele é esférico, pois a esfera é contínua: não tem começo nem fim, e era considerada a figura mais perfeita pelos gregos.

"Também não é divisível, pois é completamente idêntico. E não poderia ser acrescido, o que impediria a sua coesão, nem diminuído; muito mais, é pleno de ser; por isto, é contínuo, porque o ser é contíguo ao ser."

"É sem começo e sem fim; pois geração e destruição foram afastadas para longe, repudiadas pela verdadeira convicção. Permanece idêntico e em um mesmo estado, descansa em si próprio, sempre imutavelmente fixo e no mesmo lugar." 

"É completo de todos os lados, comparável à massa de uma esfera bem redonda, equilibrada desde seu centro em todas as direções; não poderia ser maior ou menor aqui ou ali. Pois nada poderia impedi-lo de ser homogêneo, nem aquilo que é não é tal que possa ter aqui mais ser do que lá, porque é completamente íntegro; igual a si mesmo em todas as partes." Parmênides




Se o nada não existe, ele sequer pode ser pensado. Parmênides afirmará que é o pensamento, e não os sentidos, que percebe os atributos do ser. Por isso, pensar e ser são o mesmo. Só é possível pensar o ser, e não o não-ser, pois não é possível pensar o que não existe. O próprio pensamento, existindo, é ser.

"Pois pensar e ser é o mesmo"

"O mesmo é pensar e o pensamento de que o ser é, pois jamais encontrarás o pensamento sem o ser, no qual é expressado. Nada é e nada poderá ser fora do ser."

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Heráclito - Tudo muda


Heráclito foi um filósofo grego que nasceu na cidade de Éfeso, e viveu aproximadamente de 535 a.C. a 475 a.C. Dele pouco se conhece. Sabe-se que era da Aristocracia de Éfeso, mas supostamente abdicou do governo da cidade. Por causa disso, foi chamado de orgulhoso e acusado de desprezar seus concidadãos, já que vivia uma vida separado.

É considerado um dos mais profundos filósofos pré-socráticos. Sua filosofia consiste em dizer que tudo muda, isto é, que nada permanece sendo o que é. Essa teoria recebe o nome de "Panta Rei" que significa "tudo flui". Aqui nós devemos pensar na figura de um rio cujas águas nunca permanecem num mesmo lugar, mas estão continuamente fluindo. Para Heráclito, isto seria a figura do mundo, onde as coisas estão continuamente fluindo, isto é, mudando.

É conhecida a seguinte afirmação que ele fazia:

"Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio." Heráclito

"Para os que entram nos mesmos rios, correm outras e novas águas." Heráclito
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Se todas as coisas estão em contínua mudança, é possível perceber em todas elas uma unidade fundamental: a mudança. Todos os seres possuem em comum o fato de estarem continuamente mudando.



Podemos perguntar: por que as coisas mudam?

Heráclito dirá que o cosmos é formado de duplas de contrários: bem, mal; preto, branco; alto, baixo; direita, esquerda; ímpar, par; ir, vir; nascer, morrer; jovem, velho; homem, mulher, etc.

"Em nós, manifesta-se sempre uma e a mesma coisa: vida e morte, vigília e sono, juventude e velhice. Pois a mudança de um dá o outro e reciprocamente." Heráclito

Entre esses contrários haveria um conflito. Este conflito entre os opostos geraria o movimento do cosmos e, além disso, harmonizaria o cosmos. É o que Heráclito chama de "Harmonia dos Contrários".

"Tudo se faz por contraste; da luta dos contrários nasce a mais bela harmonia." Heráclito

De fato, em todos os seres do universo que se desenvolvem e se movem, notamos a existência de forças opostas sem as quais não seria possível o movimento e o desenvolvimento.

Demos alguns exemplos:

Sabemos que a terra gira em torno do sol. Ela repete continuamente este movimento. Esta viagem contínua só é possível porque há duas forças opostas em conflito: uma delas é a força de atração que o sol exerce sobre a terra. Com efeito, um corpo celeste maior tende a atrair um menor. É por isso que a lua gravita em torno da terra, porque a lua é menor que a terra, e, por isso, a terra a atrai. Do mesmo modo, por ser o sol maior que a terra, ele a atrai.



Mas, ao mesmo tempo, se só houvesse essa força de atração, a terra se chocaria com o sol, o que a faria explodir e nos mataria a todos. Portanto, é preciso haver uma outra força que a faça tender à distância. Assim, ela pode, ao mesmo tempo em que permanece gravitando em torno do sol, manter-se distante o suficiente para que não morramos de calor.

Se, por outro lado, apenas houvesse a força que faz a terra manter-se longe do sol, então ela se afastaria de vez e se perderia no espaço, fazendo-nos morrer de frio e tornando a vida na terra impossível.

Logo, para que o equilíbrio terrestre siga existindo e a vida seja possível, é preciso existirem duas forças opostas em conflito.

Outro exemplo:

Sabemos que as flores desabrocham na primavera. Esta é a época das flores. No entanto, é no inverno que as plantas adquirem o necessário para que as flores desabrochem. O inverno, por ser época de frio, é um tempo difícil para as plantas. Portanto, ao lado da força vital das plantas, há uma força que atua contrariamente a elas, que é o inverno. Através dessa dificuldade, as plantas adquirem aquilo que poderá desabrochar na primavera, e que bem poderíamos chamar de um "aperfeiçoamento de vida". Este aperfeiçoamento não seria possível sem a luta da força vital da planta contra as dificuldades do inverno.



O mesmo se pode dizer de um ser humano. Se, durante a vida, ele não enfrentar forças contrárias, isto é, dificuldades, ele não amadurece, isto é, não aperfeiçoa a sua vida. É da luta dos contrários que surge o movimento e o desenvolvimento.

Por este motivo, Heráclito dirá que a guerra é boa e justa.

"A guerra é o pai de todas as coisas de todas o rei; de uns fez deuses, de outros, homens; de uns, escravos, de outros, livres." Heráclito



Como é um pré-socrático, Heráclito também está em busca de um elemento inicial, fundamental, do qual virão todas as demais coisas, e que os primeiros filósofos chamavam de Arché.

Vimos que, para cada filósofo, a Arché era um elemento diferente: para Tales, era a água; para Anaxímenes, o ar; para Anaximandro, o ápeiron; e para Pitágoras, o número.

Para Heráclito, era preciso que o primeiro elemento fosse algo que estivesse sempre em movimento. Ele encontrará sua Arché no fogo. Com efeito, o fogo é um elemento que nunca está parado.



"O fogo se transforma em todas as coisas e todas as coisas se transformam em fogo, assim como se trocam as mercadorias por ouro e o ouro por mercadorias."

"As transformações do fogo: primeiro o mar; e a metade do mar é terra, e a outra metade um vento quente. A terra dilui-se em mar, e esta recebe a sua medida segundo a mesma lei, tal como era antes de se tornar terra."

"Fogo: carência e abundância." Heráclito

Além disso, o fogo unifica em si os diferentes materiais que ele queima, o que é um símbolo da unidade de todas as coisas através da mudança.

Uma terceira analogia seria ainda o fato de o fogo simbolizar o conflito, pois a sua atuação sobre os materiais se assemelha a uma força destruidora, conflitante, violenta.

Heráclito identificará o fogo com o Lógos. Lembremos que o Lógos é a inteligência, é o sentido das coisas. Heráclito dirá que o Lógos governa o cosmos. Nós também possuímos um Lógos em nós, a nossa inteligência individual. Como o Lógos é fogo, uma alma inteligente seria uma alma seca, enquanto que uma alma não inteligente seria úmida.

"À alma pertence o Logos, que se aumenta a si próprio."

"O homem ébrio titubeia e se deixa conduzir por uma criança, sem saber para onde vai; pois úmida está a sua alma."

"Brilho seco: alma mais sábia e melhor."

"Mesmo percorrendo todos os caminhos, jamais encontrarás os limites da alma, tão profundo é o seu Logos." Heráclito

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