quinta-feira, 23 de abril de 2020

A Modernidade e as tensões entre a Ciência e a Religião



A Filosofia Moderna foi um movimento de busca pela autonomia da razão humana em relação à religião. Na Idade Media, a religião era a autoridade máxima, e, embora a ciência tenha surgido aí e o espírito inventivo e experimental tenha se beneficiado do otimismo cristão em relação ao mundo, toda forma de conhecimento natural estava sempre submetida à Igreja. A Filosofia, que se desenvolveu muitíssimo no período medieval, sobretudo com os escolásticos, era chamada de "serva da teologia", e se houvesse qualquer discordância entre a teologia e qualquer ramo das ciências naturais, já se sabia de antemão que o erro estava no lado dessas últimas.

A Idade Moderna buscará a independência do saber humano. Surgirá uma vida intelectual fora do ambiente das universidades medievais, que eram terrenos eclesiásticos, e se lutará pelo desenvolvimento sem limites da razão natural. As ciências medievais tinham um caráter sobretudo contemplativo, não instrumental. Agora, porém, as ciências visarão conhecer o mundo para que este possa ser manipulado em função do conforto humano. A ciência, por este motivo, se desenvolve intensamente e o espírito da época marca uma passagem de autoridade: se antes a referência dos mistérios do mundo era a Igreja, agora o cajado é passado à ciência. Para compreendermos essa passagem, basta perguntar: quem procuramos hoje quando estamos doentes? Um padre/pastor ou um médico? Com algumas exceções, a maioria, ainda que não descarte as orações, procura o médico e o seu saber científico.

Galileu Galilei representou bem esse movimento de passagem. Demonstrando, por meio de observações, que não era o sol que girava em torno da terra, mas o contrário, ele ajudou a estabelecer uma visão de mundo totalmente nova, fato que chamou a atenção da Igreja porque parecia que a contrariava. Acontecia, então, um dos primeiros atritos históricos entre a Ciência e as crenças estabelecidas ou inspiradas na religião. Não é que Galileu fosse ateu ou antirreligioso. Ele era um católico devoto e, como tal, acreditava na função sagrada da Igreja. Do que se tratava, então? Uma frase sua expressará o motivo da divergência: "A Sagrada Escritura diz como se vai ao Céu, e não como vai o céu". 

Dizendo isto, Galileu afirmava que o terreno atuado pela Igreja, o da Fé e o da Moral, era diferente do terreno da Ciência, que buscava dizer como o universo se comporta. A Religião não podia ter a pretensão, segundo ele, de fazer afirmações científicas, pois fugiria, assim, do seu campo original. 

Era então o período da Contra Reforma, um movimento católico de resposta à Reforma Protestante iniciada por Lutero. Grande parte da polêmica luterana se deveu justamente à interpretação das Escrituras. Agora, num momento de grande sensibilidade, Galileu aparece dando lições à Igreja de como a Sagrada Escritura deve ser lida. O conflito se acirrou e Galileu foi condenado pela Inquisição à prisão domiciliar e a abjurar as suas teses.

Essas tensões entre a religião e a ciência foram se repetindo no decorrer da história, às vezes assumindo a forma de um atrito entre ciência e ética. Até hoje, a ciência se vê restringida por ter de respeitar os limites morais vigentes. Não é parte da ciência dizer se algo é correto ou errado. Cabe à ética essa função. Por isso, a religião sempre se verá impedida de extrapolar certos limites. As armas nucleares são exemplos clássicos de como a ciência pode não somente contribuir para o desenvolvimento humano, mas também pode nos aproximar da barbárie. Outros pontos moralmente sensíveis tratados pela ciência são a questão da clonagem, da inseminação artificial, o discurso sobre o momento exato em que começa a vida, o uso de células tronco embrionárias, etc.

Esse movimento de confiança exacerbada na razão, que caracteriza a modernidade, culminará na experiência das duas guerras mundiais e numa reação, em seguida, exatamente oposta: a de desconfiança na razão e de desesperança na bondade humana.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

A Revolução Copernicana e o problema da origem do Universo


Desde que o ser humano existe, ele costuma se perguntar sobre a origem de tudo quanto vê. Suas primeiras impressões lhe dizem que ele habita uma superfície extensa, que chamou de "Terra", e que ao redor desta superfície existem outros corpos, muitos dos quais ele consegue ver a olho nu: o sol, a lua, alguns planetas e as estrelas. É natural, então, que ele se pergunte como tudo isso surgiu.

A sua visão natural parece lhe indicar que a terra é um plano fixo ao redor do qual giram as estrelas, o sol e a lua. As primeiras teorias, assim, afirmavam que a terra ocupava uma espécie de centro, e ao seu redor gravitavam os corpos celestes, aqueles que habitavam no céu. Estes corpos dividiam-se em dois tipos: os que se moviam (chamados de planetas) e os fixos (chamados de estrelas). Estes últimos, as estrelas, estavam pregadas na superfície escura que era, então, chamada de "abóbada celeste".



Este modo de ver ficou conhecido como sistema geocêntrico (Geo = Terra; Cêntrico = Centro) ou sistema ptolomaico, pois Ptolomeu foi o seu primeiro sistematizador, isto é, a pessoa que transformou essas ideias numa teoria organizada.



Esse sistema perdurou até o começo da modernidade. Nicolau Copérnico, um astrônomo, formulou uma teoria que contrariava o sistema geocêntrico. Segundo ele, não era a Terra que habitava o centro do universo, mas o sol. Este novo sistema contradizia não só a visão astronômica anterior, mas abalava igualmente a religião. Com efeito, a Cristandade, entendendo ser o homem o centro da criação de Deus, via como muito conveniente que ele habitasse o lugar central do universo. Agora, porém, com a nova teoria, a Terra era jogada ao escanteio, e aparecia não mais como um espaço privilegiado, mas apenas como um planeta entre outros. A centralidade do homem como imagem de Deus recebia um golpe, e a Religião, tendo as suas teorias contrariadas pelos fatos, viu-se desacreditada. Toda a sociedade dessa época era profundamente religiosa, de modo que esta mudança produziu uma espécie de crise existencial, motivo pelo qual ficou conhecida como "Revolução Copernicana".

Galileu Galilei, aperfeiçoando os estudos de Copérnico e desenvolvendo métodos de observação direta dos corpos celestes, estabeleceu de vez a verdade do heliocentrismo, isto é, de o Sol ser o centro (Helio = Sol), e não a terra. O nosso planeta, antes visto como uma extensão fixa, era agora identificado como um corpo errante, isto é, que se move e que gravita o sol, como os outros planetas.


Atualmente, conforme o tempo passa, os métodos e instrumentos de observação vão ficando mais sofisticados e permitindo uma observação sempre mais completa do universo. As mesmas perguntas do começo, isto é, de como tudo surgiu, continuam a ser feitas, ainda que agora tenhamos respostas mais complexas e elaboradas do que antes. A hipótese criacionista, embora tenha recebido ali um golpe, ainda que não fosse intenção dos defensores do heliocentrismo - que eram ambos religiosos -, nunca foi inteiramente abandonada. Toda a cristandade continuou atribuindo a origem do universo à ação direta de Deus. Mas quanto ao modo isso como o Universo foi feito, não se sabe e não há uma resposta definitiva. A teoria mais aceita quanto a este problema é a do Big Bang. Segundo ela, o universo teria surgido a partir de uma grande explosão. Além destas, há ainda outras teorias: a da eternidade do universo, a de que haja, não um, mas múltiplos universos (teoria do multiverso), não sendo possível definir qualquer começo, etc.



As duas teorias mais famosas, a criacionista e a do Big Bang, geralmente são vistas como opostas e mutuamente excludentes. O Big Bang ganhou fama de ser uma teoria ateísta, que tenta dispensar Deus do processo de surgimento do universo. Embora ateus possam tranquilamente defender essa teoria, não é o caso que o seu primeiro defensor fosse um ateu. Era, na verdade, um padre, o Pe George Lemaitre, que a chamava de "hipótese do átomo primordial".

Assim, as teorias do Big Bang e do Criacionismo não são opostas, mas harmônicas. Uma pessoa pode defender as duas ao mesmo tempo. Há mesmo quem afirme que o Big Bang não somente permite, mas exige a existência de Deus, como se pode ver no vídeo abaixo.


terça-feira, 10 de setembro de 2019

Sigmund Freud e a descoberta do Inconsciente

Sigmund Freud

Sigmund Freud era um médico austríaco que, a partir do tratamento de pacientes com histeria, descobriu uma série de dados que formariam, depois, a Psicanálise, também chamada de Psicologia Profunda. Ao perceber que os pacientes sofriam de sintomas que não se explicavam por nenhum problema fisiológico, ele chega à sua primeira conclusão: a mente não é o mesmo que o cérebro. A partir de então, Freud concentrará seus estudos sobre esta instância não física, mas tampouco espiritual, chamada mente ou psique.

Descobrirá que a psique é bem maior do que se supunha, e que a maior parte dela encontra-se submersa, inacessível à pessoa. Para ilustrar esta descoberta, usará a figura do Iceberg, que possui apenas uma pequena parte acima do nível da água, estando todo o restante abaixo, invisível aos olhos de um observador. A pequena parte visível, aquilo que percebemos da nossa mente neste exato momento, ele chamou de "consciente". A parte submersa, escondida ao olhar interior, ele chamou "inconsciente". Haveria, ainda, uma instância de interface entre as duas: o pré-consciente. Nele estariam as informações que, embora não estejam conscientes neste exato momento, podem ser trazidas à consciência por um simples ato de vontade. Pensemos aí nas datas de aniversário, nomes de pessoas importantes, formação cultural, etc.


Esta é a primeira divisão que Freud faz da mente humana: Consciente, Pré-Consciente e Inconsciente. Restava agora dizer por que ela está, assim, tripartida, e por que a maior parte dela é inconsciente.

Freud descobrirá que tudo o que aparece no consciente é, na verdade, determinado pelos conteúdos inconscientes. A suposta liberdade humana não era mais que uma ilusão: nós escolhemos dentre as opções que já nos são dadas previamente pelo inconsciente. O próprio repertório de possibilidades nos é predeterminado, e, além disso, as inclinações para uma opção ou outra, também. As nossas antipatias, nossos medos, e outros comportamentos estranhos, que não sabemos por que os temos, também seriam manifestações destes conteúdos inconscientes.

Cumpria, portanto, descobrir de que é formado o inconsciente e por que ele tende a permanecer inconsciente.

As descobertas dele foram as seguintes:

O Inconsciente é basicamente formado de duas coisas: a) libido ou desejo sexual; b) agressividade. Essas duas coisas serão chamadas de pulsões, e ditam duas inclinações naturais do ser humano: uma que nos faz desejar coisas e puxá-las a nós; outra que nos faz repelir coisas e tender a destruí-las. As duas formam o "Princípio do prazer", pelo qual buscamos sensações agradáveis e evitamos desconfortos.

A libido será chamada de "Pulsão de vida", pois ela visa, a partir do gozo, produzir um ganho qualitativo da vida do sujeito. A agressividade será chamada de "Pulsão de morte", pois visa matar o objeto que nos causa qualquer desconforto, contrariando o impulso natural do gozo.

A Pulsão de Vida recebe o nome de "Eros", o deus grego do amor. É daí que vem o termo "erótico", relacionado ao sexo. A Pulsão de Morte recebe o nome de "Thânatos", o deus grego da morte.

Eros e Thânatos
Eros e Thânatos são os conteúdos do inconsciente. Mas por qual motivo eles são inconscientes se todos nós notamos facilmente que temos desejo e raiva? O desejo e a raiva que percebemos em nós não são senão versões muito pálidas das suas fontes inconscientes. A libido e a agressividade originais confrontariam em absoluto qualquer valor moral que cultivamos. Perceberíamos que nós somos, no fundo, tarados e psicopatas, profundos egoístas preocupados somente com a própria satisfação. Essas descobertas subjetivas seriam profundamente desconfortáveis a nós, pois temos o intento de viver de um modo moralmente aceitável. Por este motivo, há na própria mente uma defesa que não permite que aquilo que nos faria sofrer intensamente venha à superfície da psique e torne-se consciente. Este mecanismo de defesa é chamado de "recalque".

O recalque é uma espécie de polícia interna que não permite que desejos inconvenientes surjam na consciência. A natureza do recalque é moral. Mas, ainda que não percebamos estes desejos em nós, isto não quer dizer que eles não existam. Apenas não conseguem vir à superfície.


Mas nos enganamos, também, se julgamos que eles ficam quietos. Por se tratarem de impulsos, de desejos, eles são constituídos por uma espécie de energia que visa a própria satisfação. São princípios de movimento. Ficam, assim, forçando a psique para que sejam aceitos. Como não são, eles se disfarçam e assumem formas diferentes de modo a serem aceitos na Consciência.

Entre os disfarces do inconsciente, os mais comuns são:

Os lapsos, atos falhos, tiques, fobias, neuroses, sonhos, e a linguagem em geral.

Algumas dessas manifestações são aceitáveis e não causam grandes problemas. Porém, às vezes as manifestações do inconscientes assumem formas problemáticas, como os sintomas neuróticos e histéricos. Nestes casos, é conveniente que, com a ajuda da Psicanálise, o problema seja resolvido. O caminho para isto é a descoberta do conteúdo original que está provocando aquele sintoma em questão.

A Psicanálise buscará, a partir da sua metodologia, vencer as resistências do recalque. Este, por sua vez, usará todos os artifícios de que dispõe para não entregar o conteúdo original que está produzindo aquele problema. Uma vez, porém, que o analista seja habilidoso, será possível ultrapassar a defesa e, então, o conteúdo original aparece na consciência. Isto gerará, obviamente, uma profunda angústia e descarga de ansiedade. Este efeito é conhecido como "catarse". Isto, porém, será libertador, pois a energia antes represada poderá, enfim, vir à tona e ser liberada. Com isto, o sintoma anterior desaparece.

Freud fará, em seguida, uma segunda divisão da Psique: ela será composta de três instâncias, novamente, mas agora elas receberão o nome de Id, Ego e Superego.



O Id será a parte desejante da psique, o correspondente à libido, e a forma original deste componente será o desejo sexual.

O Superego será a parte moral ou repressiva. Ela consiste na autoridade paterna internalizada. Quando crianças, o pai é visto como o limite, aquele que nos ameaça se fizermos algo errado. Conforme crescemos, esta força de coação é introjetada, e, então, já não precisamos de uma ameaça externa para evitar fazer coisas erradas. E quando as fazemos, o Superego nos pune nos deixando com a famosa "consciência pesada". O Superego, assim, assume o lugar da agressividade que, então, é descarregada contra o próprio sujeito que ousou contrariar os limites da moral.

O Ego é o eu, a parte da psique que decide como vai se relacionar com o mundo a partir dos impulsos contraditórios do Id e do Superego. 



Uma forma fácil de ilustrar esta tensão é pensarmos naquelas figuras famosas dos desenhos animados: o anjinho bom e o anjinho mau, cada um de um lado, aconselhando a pessoa a fazer algo errado ou a não fazê-lo. O anjinho bom seria o Superego, preocupado com a manutenção da ordem. O anjinho mau seria o Id, preocupado com o prazer da pessoa. No geral, o Ego dá um jeito de satisfazer em parte cada um deles: o rapaz, ao ver passar uma moça bonita, receberá as sugestões do Id: "Vai, pega, usa, toma para você!". O Superego, por sua vez, intervirá: "Não. É errado, e você tem namorada, e ela provavelmente também. Fique quieto!". O ego, prensado entre as duas energias, não atacará a jovenzinha, satisfazendo o Superego. Mas não se esquivará de olhá-la e de desejá-la secretamente, oferecendo algo de si aos reclames do Id.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Nietzsche, a Vontade de Potência e a Crítica à Verdade e à Moral


Nietzsche foi um filósofo alemão, do Século XIX, conhecido por suas críticas à religião, à moral e à própria filosofia entendida como busca da verdade. Segundo ele, o que define não somente a vida humana, mas toda a realidade, é o que ele chama de "Vontade de Potência" ou "Vontade de Poder". 

Essa característica essencial que anima todos os seres no mundo consiste num impulso à satisfação de si mesmo e no domínio sobre as outras coisas. A história do mundo é a história dos conflitos. Animais caçam uns aos outros, machos de uma mesma espécie brigam pelo posto de líder do grupo ou de parceiro sexual das fêmeas. As próprias plantas disputam entre si os raios solares, enquanto que outras se enrolam nas árvores sugando a sua seiva vital. Todos estão em guerra, e vence aquele que for mais forte. A própria história da evolução é a história da sobrevivência dos mais fortes e do sacrifício dos mais fracos. A seleção natural de Darwin mantém vivos os seres adaptados e extermina os inadequados às novas necessidades.

O ser humano, sendo um animal entre outros, não poderia, assim, exigir de si mesmo nenhuma diferença essencial. Ele também quer se impor sobre os outros. Ele quer dominar o seu meio e garantir a satisfação dos seus impulsos. Naturalmente, se estes impulsos encontram algum obstáculo, a intenção inicial da Vontade de Potência é destruir o impedimento, ultrapassando a dificuldade e encontrando um caminho para o objetivo inicial: a própria satisfação.

Assim, um empregado tem o impulso de adquirir uma condição melhor de vida e poder expandir-se sem impedimentos. Contudo, ele não pode fazê-lo desde o começo, tendo de submeter-se ao seu patrão. Esta submissão não o deixa satisfeito, pois é outro quem exerce a Vontade de Potência diretamente. Os homens não gostam de renunciar às próprias vontades. 

Quando a Vontade de Potência não pode expressar-se diretamente, ela não cessa de existir, mas assume um modo disfarçado de exercer-se. Assim, a obediência do empregado é, na verdade, uma estratégia para que ele consiga progredir e futuramente possa exercer a Vontade de Potência diretamente. Ele sabe que se não se submeter, será reduzido a uma condição ainda mais pobre, o que significará uma ainda menor possibilidade de satisfação de sua Vontade de Potência.

Nietzsche é conhecido como um dos mestres da suspeita, pois reconhece que é muito comum que por trás das alegadas boas intenções humanas se escondam as verdadeiras razões das nossas ações, que são, sempre, expressões, diretas ou disfarçadas, da Vontade de Potência.

Dois disfarces ganharam destaque na história: a Verdade e a Moral. Nietzsche faz uma dura crítica a ambas.

Nietzsche dirá que a Verdade é uma mentira na qual o Homem acredita. O seu objetivo é tornar o mundo mais suportável. O homem assim pretende conhecer o que as coisas são e como elas se comportam. Desse modo, ele nutre a ilusão de dominar e sentir-se seguro. A verdade, como se vê, serve à vontade de dominação. Ela pretende dominar não somente a realidade material, mas também os outros homens. Dizer que algo é verdade significa dizer que o seu contrário é mentira, isto é, que não deve ser aderido por ninguém. Há na verdade uma vontade de proibir a liberdade do outro. Proclamar a verdade é o mesmo que estabelecer um domínio e ordenar que todos abracem o que eu digo. A verdade, assim, não é um caminho de libertação, mas de aprisionamento já que pretende limitar as ações e os pensamentos humanos.

Quanto à moral, ela consiste no nosso sistema de valores que divide as ações humanas em boas e más. Desde crianças aprendemos que devemos sempre agir de um modo correto, e que isto se faz justamente restringindo os nossos desejos. As ações morais geralmente se identificam com ações de auto-sacrifício, isto é, ações nas quais a pessoa deve negar a própria vontade e agir sem pensar em si mesma. O grande símbolo da moral ocidental é a Cruz, que representa a total negação que o homem deve fazer de si mesmo. Nietzsche dirá que este é o símbolo da negação da vida, pois viver é expandir-se, é liberar a vontade de poder. A moral, assim, ao invés de ser uma coisa boa, é uma coisa ruim, pois visa negar o que é mais verdadeiro no mundo: a Vontade de Potência. 

Nietzsche chamará a moral cristã de moral de rebanho, e pretenderá dizer como ela teve início: como os homens querem dominar uns aos outros, é claro que os que conseguem uma total dominação, os heróis, os vitoriosos, são sempre uma minoria. A maioria, portanto, é composta dos fracos. Estes fracos, não podendo manifestar sua Vontade de Potência diretamente, inventam a moral justamente para se afirmarem superiores aos fortes num outro sentido: o dos valores. Foi assim que o homem forte, o transgressor, o vitorioso, etc., tornou-se o homem mau, enquanto que o homem passivo, submisso, temperante, etc., será o homem bom. O homem moral mente para si mesmo e para os outros. Já o homem violento é honesto, pois expressa, sem esconder, o que realmente o anima.

Uma expressão muito clara da vontade de dominação por trás da moral se encontra no desejo do Céu. Para Nietzsche, o Céu é uma invenção humana própria dos ressentidos e fracos, aqueles que, não podendo vencer neste mundo, criam um outro mundo onde poderão se vingar: gozarão da felicidade enquanto que os que foram fortes aqui sofrerão eternamente. O Céu, assim, a despeito de toda aparência de beatitude, é um modo de vingança, segundo Nietzsche.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Aos meus alunos...


Agora, aos meus alunos e aos demais, em geral. Hoje é o meu dia: dêem-me o presente de me ouvirem.

Meninos, eu sei que é difícil colaborar quando ninguém colabora. Eu sei que é complicado pensar em matemática quando nem os hormônios nem os glúteos avolumados à volta permitem um mínimo de concentração em assuntos abstratos. Eu sei que a egrégora eqüina da sala de aula limita as possibilidades da sanidade mental durante o turno. Eu sei que as dificuldades que vocês trazem de casa, das outras séries, do trabalho, da vida, às vezes não permitem que vocês dêem o máximo. Eu sei que essa sociedade hedonista vos contaminou de tal modo que é difícil fazer o mínimo ato de esforço e usar a bunda para, ao invés de fazer os movimentos espasmódicos de certas danças do acasalamento, sentar numa cadeira por meia hora e se dedicar à leitura de um livro.

Todas estas coisas são difíceis, a gente entende. Mas nada disso vos isenta da responsabilidade sobre vocês mesmos. Ninguém que queira ser alguma coisa pode se vitimizar e se limitar ao seu entorno. Vocês em geral têm saúde e são boas pessoas. Não se deixem corromper. Brinquem, se divirtam, namorem, mas façam tudo com limites e não deixem que o coração de vocês se perca. Entendam que isso de drogas é coisa pra mané. Vocês são muito mais que isso, velhos. Se tudo tá difícil, tenham um pouco mais de paciência. Vocês puxam ferro na academia, e sabem que, embora esteja pesado, a sequência termina daqui a pouco. Tenham esse tipo de esperança na vida. Daqui a pouco melhora. Deus existe. Ponham a fé de vocês em prática.

Quanto aos professores, caras... Em muitos casos, são as últimas pessoas que ainda confiam em vocês. Vocês podem achar engraçado ridicularizar um professor em público e provocar o riso da turma, mas se este professor não os tira da sala naquele mesmo momento é porque ele se recusa a reduzir você a esse idiota que você quer parecer. Ele sabe que você é mais que isso. Ele é uma pessoa que acredita mais em você do que você mesmo. Tenham consciência e entendam que aquele cara lá na frente - que às vezes é estranho e fala umas chatices - é, no sentido mais profundo, um amigo, e que ele nunca vai revidar com toda força.

Aprendam a valorizar o que o professor te ensina. Às vezes, aquele simples argumento que ele tá te dando de sopa - e que você às vezes despreza - é fruto de dois, três, quatro anos de estudo. E ele te dá aquilo, mastigadinho, de bandeja, por pura bondade. Ele podia te enrolar - vocês não sabem o quanto são fáceis de serem enrolados. - mas ele te leva a sério. Leve a sério também, poha! Aquele cara lá te ama..


terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Re-recuperação de Filosofia - 3ºs anos


Assuntos:

René Descartes: os três tipos de idéias, o cogito e a existência da alma.

OS TRÊS TIPOS DE IDÉIAS:

As idéias que possuímos se dividem em três tipos:

1ª - Nascem conosco - São chamadas de Inatas. Alguns exemplos são as idéias matemáticas, e as idéias de infinito e perfeição;

2ª - Vêm de fora por meio dos sentidos - São chamadas de Adventícias. Alguns exemplos são as idéias de vermelho (que vem pela visão), de som baixo (que vem pela audição), de frieza (que vem pelo tato), de fedor (que vem pelo olfato) e de doce (que vem pelo paladar);

3ª - Vêm da junção ou composição entre idéias outras idéias - São chamadas de Factícias. Alguns exemplos são as idéias de sereia (junção entre as idéias de mulher e peixe), de super homem (junção entre as idéias de homem, pássaro, poder), de lobisomem (junção entre as idéias de homem e lobo), de vampiro (junção entre as idéias de homem e morcego), de montanha de ouro (junção entre as idéias de montanha e ouro), etc.

As idéias, portanto, só podem ter três fontes: nascem conosco (inatas), vêm de fora pelos sentidos (adventícias), vê de uma composição entre idéias anteriores (factícias).


O COGITO

Descartes passou a investigar os modos de conhecimento humano para ver se havia algum tipo de conhecimento do qual não fosse possível duvidar. Ele só pretende alcançar pelo menos uma verdade absoluta.

Ele então percebeu que existem dois modos de conhecimento:  o pelos sentidos (idéias adventícias) e os que nascem com a pessoa (idéias inatas) 

Quantos e quais são os sentidos? São 5: visão, audição, olfato, tato e paladar. As informações que nos chegam pelos sentidos são absolutamente confiáveis? Descartes dirá que não. Vejamos por quê:

Visão - os olhos podem nos enganar? Sim. Todos nós já vivemos situações em que os olhos nos enganam. Uma piscina parece mais rasa do que é. O sol parece menor do que é. Às vezes vemos uma pessoa e pensamos que é outra.. etc. Logo, se os olhos podem nos enganar uma vez, já não são inteiramente confiáveis;

Audição - o ouvido pode nos enganar? Sim. Também já escutamos vozes que julgávamos de conhecidos nossos e, na verdade, não eram. Ou ouvimos o nosso nome ressoar e, quando vamos olhar, não é ninguém. Diante de uma música, duas pessoas têm impressões diferentes; uma diz que o cantor desafinou, outra diz que não, etc. Logo, se o ouvido pode nos enganar uma vez, já não é inteiramente confiável;

Tato - O sentir da pele pode nos enganar? Sim. Duas pessoas discordam sobre a quentura de um ambiente, sobre a dor de uma injeção, sobre a intensidade de um choque, etc. Logo, se o tato nos engana, já não é inteiramente confiável;

Olfato - o nariz nos engana? Sim. Há cheiros que nós não sabemos bem se é de uma coisa ou de outra. Há perfumes que são apreciados por uma pessoa e depreciados por outra, etc. Logo, se o nariz nos engana, já não é inteiramente confiável;

Paladar - a língua nos engana? Sim. Existem sucos que nós não sabemos distinguir direito de que é. Ficamos em dúvida: "é cajá ou maracujá?". Discordamos, também, quando vamos tomar um café e um diz que está muito doce, enquanto outro diz que não está. Logo, se a língua nos engana, já não é inteiramente confiável.

Ora, se os 5 sentidos nos fornecem informações divergentes, então não se pode confiar neles com certeza absoluta.

Além disso, há a possibilidade de que estejamos sonhando. Como garantir que não estamos dormindo agora, e sonhando com tudo isso? Em geral, só percebemos que é sonho depois que acordamos, com algumas poucas exceções, é claro. Portanto, no sonho temos variadas idéias adventícias, isto é, que vêm pelos sentidos e, no entanto, nenhum daqueles seres que vemos, ouvimos ou tocamos é real.

As idéias adventícias, portanto, não são confiáveis.



Resta-nos analisar as idéias inatas.

Para Descartes, esta é principalmente a matemática. Na verdade, não é preciso nenhum sentido em particular para se saber matemática: tanto um cego, quanto um surdo, etc., saberão que dois mais dois são quatro. Isto é uma coisa que nós sabemos através da pura razão.

É possível duvidar da matemática? Descartes primeiramente reconhecerá que este tipo de conhecimento é mais seguro que o anterior, porque mesmo que a percepção dos sentidos se altere, o conhecimento matemático permanece o mesmo. Mesmo se a pessoa estiver sonhando, a matemática continua sendo válida. Se sonharmos, por exemplo, com três pokemons, só podemos contá-los porque o conhecimento matemático continua valendo.

A única possibilidade de a matemática nos enganar é se houver algum tipo de ser ruim que tenha acesso aos nossos pensamentos e possa manipular-nos. A este ser, Descartes chama de "Gênio maligno". 

Descartes não está dizendo que este ser exista, mas que, se ele existisse, a matemática não valeria, pois este gênio poderia enganar a nossa mente e fazê-la pensar que dois mais dois são quatro quando, na verdade, seriam cinco. Como não é impossível que tal ser exista, também não é impossível que a matemática seja falha. Lembremos que a intenção de Descartes é encontrar um conhecimento que seja cem por cento confiável.

Chega ele assim a duvidar dos dois modos de conhecimento: o pelos sentidos e o pela pura razão.

Porém, Descartes se dá conta de um terceiro modo de conhecimento e que lhe dará a certeza que ele tanto procura. Ele dirá: 

- Eu estou duvidando de tudo;
- Mas, se eu duvido é porque eu estou pensando;
- Se eu estou pensamento é porque eu existo.

Daí a fórmula: "Cogito, ergo Sum", que significa "Penso, logo Existo".

Este tipo de conhecimento é tão perfeito que nenhum gênio maligno poderia enganá-lo. Só é possível enganar alguém que pensa. Ora, se este alguém está pensando, então é certo que ele existe. Também não é possível duvidar disso, pois, se eu duvidar que existo, enquanto duvido eu penso, e enquanto penso eu existo. Se eu duvidar que existo, então eu existo. É importante perceber isso aqui com clareza.


PROVA DA EXISTÊNCIA DA ALMA

No seu exercício de duvidar de tudo, Descartes chega também a duvidar que tem um corpo. Na verdade, como nós sabemos que temos um corpo? Ora, sabemos disso porque nós vemos o nosso corpo (visão) e porque o sentimos (tato) e às vezes o escutamos (audição).

Visão, tato e audição são sentidos. Acabamos de ver mais acima que não podemos confiar nos sentidos, pois eles podem estar nos enganando. Disso se conclui que não podemos ter certeza de que temos corpo. Logo, também não podemos ter certeza de que temos cérebro, pois o cérebro é uma parte do corpo. Se duvidamos do corpo, duvidamos do cérebro.

Porém, Descartes perceberá que, embora eu possa duvidar que tenha cérebro, eu não posso duvidar de que penso, pois, se eu duvidar já estarei pensando. A própria dúvida é um pensamento. Desse modo, não é possível duvidar do pensamento.

Ora, se eu posso duvidar que tenho cérebro e não posso duvidar de que tenho pensamento, a conclusão é:

Cérebro e Pensamento são coisas diferentes. O pensamento, portanto, não é corpo, não é físico. Se não é físico, não participa da mortalidade do corpo. Assim, mesmo quando a pessoa morre, a alma não precisa morrer, pois ela não é física. Fica assim provada a existência da alma.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Recuperação 2ºs anos: Ética em Aristóteles


A prova consistirá em 5 questões;
Cada questão vale 20,0;
A prova inteira vale 100,0.
Será sem consulta. Não filem.
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Ética vem do grego Ethos e diz respeito ao modo de agir das pessoas. Quando uma pessoa age corretamente, dizemos que agiu de modo ético. Quando, ao contrário, ela comete um erro, dizemos que foi anti-ética.

O ser humano pode agir de infinitos modos: andar, comer, pensar, piscar os olhos, dormir, etc.

Cada ação tem um objetivo imediato: 

Quem anda quer ir a algum lugar;
Quem come quer se saciar;
Quem pensa quer entender;
Quem pisca os olhos quer evitar que fiquem ressecados;
Quem dorme quer descansar.

Além do objetivo imediato, podem existir outros objetivos secundários:

Quem anda talvez queira fazer exercício físico ou ver uma pessoa no caminho, mesmo que ele não pretenda parar lá;
Quem come talvez quer ganhar peso para ficar mais atraente;
Quem pensa quer entender, mas talvez queira mesmo impressionar outra pessoa;
Quem pisca os olhos quer evitar que fiquem ressecados, mas talvez quer dar sinal a alguém;
Quem dorme quer descansar, mas também pode querer esquecer alguma coisa.

Os objetivos podem ser vários, mas há um objetivo último que é o objetivo de toda e qualquer ação. É a Felicidade ou Eudaimonia.

Tudo quanto fazemos visa, por último, a felicidade. Vejamos alguns exemplos:

Por que estudar? Para aprender. Para que aprender? Para estar preparado para algum trabalho. Para que trabalhar? Para ganhar dinheiro. Para que ganhar dinheiro? Para poder formar uma família. Para que formar uma família? Para ser feliz.

Por que ir à igreja? Para falar com Deus. Para que falar com Deus? Para que Ele me ajude. Para que eu quero que Ele me ajude? Para que eu resolva meus problemas. Para que eu quero resolver meus problemas? Para ser feliz.

Por que roubar? Para ter aquele pertence. Para que ter aquele pertence? Para poder ostentá-lo, mostrar aos outros que eu posso ter um também. Para que eu tenho de mostrar isso? Para que eles me valorizem. Para que eu quero que me valorizem? Para eu me sentir bem. Para que me sentir bem? Para ser feliz.

Para que mudar de posição na cadeira? Para não ficar com a perna dormente. Por que não ficar com a perna dormente? Porque é desconfortável. Por que eu não quero ficar desconfortável? Porque quero me sentir bem. Para que quero me sentir bem? Para ser feliz.

Como vimos, qualquer ação - qualquer mesmo - tem como objetivo último a felicidade.
Porém, não é toda ação que leva à felicidade.

Quais são, então, as ações que levam à felicidade? Segundo Aristóteles, somente as ações corretas.
Temos então de saber diferenciar o correto do incorreto, o certo do errado.

Correto é o que está conforme à sua natureza. Por exemplo: um chapéu será usado corretamente quando estiver posto na cabeça, e não na barriga. Uma cadeira será usada corretamente quando servir pra sentar, e não para bater em alguém. Um livro será usado corretamente quando for lido, e não quando for comido ou quando servir de apoio para a estante, etc.

De que modo o ser humano pode agir corretamente? Se agir corretamente é agir segundo a natureza, é preciso saber qual é a natureza humana.

O ser humano é um animal racional.

Por ser animal, ele tem de se mover, tem de se alimentar, tem de dormir, tem de se relacionar, tem de fazer cocô, etc. Se ele não fizer alguma dessas coisas, ele não pode ser feliz.

Por ser racional, o ser humano precisa pensar, entender, refletir, medir, etc.

Entre animal e racional, aquilo que é mais específico no ser humano é a razão. É o que o separa de todos os outros animais.

O homem age corretamente quando age conforme a razão.

Razão significa proporção. Proporção significa medida correta. Usar a razão significa saber agir dentro das justas medidas.

Qualquer coisa que não tenha proporção fica desordenada.

Imaginem uma pessoa com as pernas de 5 centímetros e a cabeça de 5 metros. Será uma pessoa desordenada, pois não há as medidas corretas entre as partes do corpo.

Imaginem um teclado de computador com teclas tão pequenas quanto pontas de agulha. Seria desordenado porque não há proporção entre as teclas e os dedos humanos. 

Para que algo seja ordenado ou correto precisa ter proporção, justa medida.

Em toda ação humana há a possibilidade de haver justa medida ou de haver extremos. Para cada justa medida, há dois extremos: a falta e o excesso (exagero). Vejamos:



Conforme vemos nos exemplos acima, para cada boa ação, há duas possibilidades de erros: a falta e o excesso. A anorexia é a falta de alimentação, e a gula é o excesso de alimentação. A preguiça é a falta de atividade. O ativismo é o excesso de atividade. O medo é a falta de coragem. A temeridade é o excesso de coragem.

A falta e o excesso são ações incorretas. Só a justa medida é que é correta.

Somente uma ação correta não é ainda suficiente para levar alguém à felicidade.

A felicidade também não pode ser confundida com o prazer.
É possível ter prazer numa ação e ficar infeliz com ela. Um rapaz que trai a sua namorada, teve prazer durante o ato, mas não ficou feliz com isso.

Para ser feliz, é preciso adquirir um hábito ou costume de agir corretamente. Quando agimos sempre de um mesmo modo, nos habituamos a continuar agindo daquele modo. Desenvolvemos uma tendência.

Quando o hábito é de ações ruins ele se chama vício.
Quando o hábito é de ações boas ele se chama virtude.

O caminho para a felicidade (eudaimonia) é uma vida inteira dedicada à virtude, isto é, aos hábitos de ações corretas.

Uma vida dedicada ao vício, embora possa dar prazer, tem como fim a tristeza, a depressão, na medida em que tais hábitos afastam da felicidade.

A felicidade, portanto, só pode ser alcançada na velhice, pois exige toda uma vida já habituada à virtude.