quinta-feira, 29 de maio de 2014

Vacas ficam felizes ao ouvir música clássica e dão mais leite


Quando dei aula sobre Pitágoras, eu falei sobre isso: as vacas, submetidas à música clássica, que é uma música bem ordenada, isto é, que tem proporção matemática, dão mais leite. Isto ocorre porque toda a natureza, por estar ordenada, reconhece ordem quando a vê. Esta receptividade que nós temos à ordem, quando expressa em termos de sentimento, recebe o nome de beleza. É por isso que dizemos que uma forma é bela, ou que uma música é bela. Dizemos isto quando percebemos a ordem interna - a proporção - da forma ou da música. 

Embora o vídeo esteja todo em inglês e eu não o tenha encontrado com legendas, dá pra entender que a idéia de fundo é esta. Apreciem.

terça-feira, 27 de maio de 2014

René Descartes - A Dúvida, o Cogito e a Alma


René Descartes foi um filósofo francês, e também matemático. Teve uma educação baseada na filosofia escolástica. É considerado o pai da Filosofia Moderna.

Depois de ter aprendido a filosofia dos antigos e a medieval, Descartes ficou com a impressão de que aquilo tudo apresentava uma certa fragilidade. Algo não o convencia. Essa sensação era aumentada quando ele se deparava com os céticos. Os céticos eram filósofos que duvidavam de tudo: diziam ser impossível conhecer uma verdade, pois não há segurança em nada do que o ser humano conhece.

Obviamente, Descartes não concordava com os céticos, mas a sua discordância precisava se basear em argumentos. Daí ele iniciou uma viagem investigativa. Dizia que, se conseguisse encontrar alguma certeza de que não fosse possível duvidar - mesmo que uma só -, ele rebateria os céticos e seria capaz de reconstruir todo o edifício da Filosofia sobre esta pedra angular. Costumava repetir a frase de Arquimedes: "Dêem-me um ponto de apoio e eu moverei a terra." Tudo o que Descartes queria era esse "ponto de apoio", isto é, uma única certeza.

Arquimedes

Para isso, Descartes recorreu a um método que se chamou de "Dúvida Metódica" ou "Dúvida Hiperbólica". Este método consistia em duvidar de absolutamente tudo a fim de ver se havia alguma coisa da qual não seria possível duvidar.

Descartes, então, dividiu os modos de conhecimento do ser humano: 1- pelos 5 sentidos; 2- pela razão.

É possível duvidar daquilo que conhecemos pelos sentidos? 

Descartes percebeu que sim. Os sentidos costumam nos enganar, mesmo em situações corriqueiras, como quando olhamos o sol e o vimos menor que a terra. Ou quando vamos a uma piscina, e notamos que ela é mais funda do que parece. Ou ainda quando escutamos alguém nos chamar, e não é ninguém, etc.

Além disso, somos sensíveis às ilusões de ótica, que facilmente nos enganam. Se estivermos febris, em delírio, ou drogados, é possível que nossa percepção sensível seja alterada. Quando sonhamos, então, vemos e ouvimos coisas que, no entanto, não existem. 





Descartes percebeu, então, que o engano dos sentidos é um fato. Logo, não se pode confiar neles.


Descartes passa, então, a analisar a razão. Como exemplos de conhecimentos puramente racionais - isto é, que não nos cheguem pelos sentidos -, ele elege a matemática. Para que alguém saiba que 2+3 são 5, não é preciso enxergar, nem ouvir, nem cheirar, nem sentir pelo toque, nem sentir o gosto. A matemática é algo que é puramente da razão.

E, de fato, Descartes observará que o conhecimento matemático resiste à ilusão, seja no sonho, seja no delírio, etc. Mesmo que uma pessoa se drogue e veja 5 pokemons à sua frente, ele poderá contá-los, o que demonstra que a matemática, mesmo nestes casos, permanece válida.

Contudo, como está procurando todas as possibilidades possíveis de se duvidar de algo, Descartes encontrará um único caso em que é possível duvidar da razão: a do gênio maligno.


Imaginem que há um ser que possui acesso aos seus pensamentos e que pode manipulá-los. Se tal ser existisse, seria possível que ele fizesse alguém pensar que 2+3 são 5 quando, na verdade, seriam 10. 

Observem o seguinte: Descartes não está a dizer que tal gênio exista. Mas, apenas, que não é impossível. Ora, se não é impossível, então é possível. E se é possível, então talvez exista. Como esta permanece sendo uma possibilidade, então já não é possível confiar totalmente na razão, pois não se pode provar que a existência deste ser é falsa.

Portanto, Descartes chegará à conclusão de que não pode confiar nem nos sentidos nem na razão. Portanto, só lhe resta duvidar de tudo. 

Mas é precisamente aqui que lhe surge um insight!

Ora, se eu duvido de tudo, então eu estou pensando, pois a dúvida é um pensamento. E, se eu estou pensando, então eu existo, pois não poderia pensar se não existisse. A equação fica assim:

Dúvida = Pensamento
Pensamento --> Existência
Se Dúvida, então Existência.

Daí a fórmula de Descartes: "Penso, logo existo" que, em latim, fica "Cogito, ergo sum".



Esta é uma certeza absoluta, imune a qualquer sonho ou droga, ou a qualquer gênio maligno ou demônio.

Um ser poderia me enganar sobre o conteúdo do meu pensamento, mas não sobre o fato de eu saber que estou pensando e que, portanto, eu existo. Enganar-me só seria possível através do pensamento. Isto quer dizer que, quando eu digo que estou pensando, não é possível enganar-me quanto a isto, pois é sempre verdadeiro que, enquanto estou pensando ou sendo enganado, estou de fato pensando.

Esta é a única certeza que Descartes terá. Mas é o suficiente, pois ele só queria uma.

Descartes, então, dividirá todas as coisas em duas:

Res Cogitans - A coisa pensante;
Res Extensa - A coisa extensa (todo corpo material).

Da segunda, é possível duvidar. Mas da primeira, não.




Descartes, então, perceberá algumas características do "Eu":

- Ele duvida;
- Ele pensa;
- Ele existe;
- Ele é imperfeito, pois duvidar é não conhecer; logo, é uma imperfeição.

Se o "Eu penso, logo existo" é a única certeza que é possível ter, a princípio, então não é possível ter a certeza sequer de que se tem corpo. Essa idéia vai inspirar, por exemplo, teorias como a do filme Matrix.


Como conhecemos o corpo? A partir da visão ou do tato. Visão e tato são sentidos. Vimos que Descartes duvida deles. Logo, não é possível saber se temos corpo. Contudo, não é possível duvidar que temos pensamento, pois, se duvidarmos, já estaremos pensando.

Conclusão: pensamento e corpo são coisas diferentes. Logo, o pensamento não é físico; é imaterial. O pensamento é a alma. Então, a alma existe.


Pitágoras - Tudo é número


Pitágoras foi um sujeito de quem pouco se sabe. Teria viajado bastante e, na sua passagem pelo Egito, supostamente teria conhecimento o profeta Daniel. Era, além disso, superior de uma religião cujas informações também nos são escassas. Sabemos, dentre outras poucas coisas, que criam na transmigração das almas e num rigoroso ascetismo. Os que participavam deste movimento religioso faziam voto de segredo, resultando em excomunhão o não cumprimento da norma. Pitágoras não deixou obra escrita, e é impossível identificar o que de fato é doutrina dele e o que é apenas acréscimo de seus discípulos.

Pitágoras, além de filósofo, era matemático, tendo sido o criador do famoso ""Teorema de Pitágoras", usado na resolução de equações de segundo grau.

Bem, Pitágoras, assim como os filósofos pré-socráticos anteriores, está também procurando sobre o princípio do Cosmos. E, curiosamente, ele dirá que tudo veio do Número.


Tentemos compreender a razão de Pitágoras ter dito que tudo veio do número. A princípio, pode parecer não haver muito sentido nisso. Contudo, veremos que que a teoria não é assim tão infundada.

Pitágoras percebeu, assim como os demais filósofos antes dele, que o mundo é Cosmos, isto é, possui uma ordem. Como matemático, sabia que uma coisa está ordenada quando está bem distribuída, isto é, quando está organizada em quantidades adequadas. Ora, a quantidade é uma categoria matemática. Daí que, se tudo quanto há está ordenado, então tudo quanto há está organizado matematicamente.

Observemos alguns exemplos:


Aqui temos uma "casa de abelhas". Se nós percebermos, elas a constroem utilizando-se de uma figura geométrica: o hexágono, uma figura de seis lados



Descobriu-se que esta figura é a mais perfeita possível para se fazer uma casa de abelhas. Isto significa que as abelhas agem de modo estritamente matemático. De que modo, então, as abelhas saberiam disso, visto que elas não possuem inteligência? A conclusão que se impõe é esta: as abelhas não apenas agem matematicamente, mas estão organizadas matematicamente, de modo que, tudo quanto façam, esteja ordenado deste modo.

Vamos a outro exemplo:

Tomemos a rota dos planetas:


Os corpos celestes agem de modo rigorosamente matemático. Os cientistas falam de uma "sintonia fina", que é uma organização matemática tão precisa que, se fosse levemente alterada, tornaria impossível a vida. É impressionante observar como tudo no espaço é devidamente ordenado, organizado. Tudo obedece a leis matemáticas. As rotas dos planetas se completam em um tempo sempre semelhante; eles estão se movendo a uma velocidade tal que permite que, nem sejam atraídos de vez pelo sol, nem se percam no espaço, se afastando dele. É tudo magnífico...


Observemos agora estes cristais de gelo, que, quando maximizados, permitem notar a perfeição matemática com que estão construídos:

Um fenômeno que nos é muito frequente e que, por isso, talvez não nos espante da perfeição matemática que demonstra, é o que ocorre quando um lago é atingido por algum objeto. Círculos perfeitos se formam.


Exemplos não nos faltam. Toda a natureza poderia servir para ilustrar a teoria de Pitágoras. Mas, para ficarmos só em mais um, ele percebeu que a música é um tipo de matemática sonora. 


Ele havia percebido que, ao se dividir matematicamente as cordas de um instrumento, o resultado são intervalos musicais distintos. Dentre as divisões, Pitágoras encontrou três notas diferentes: a 1ª, a 3ª e a 5ª. Essas são as notas que formam um acorde. As pessoas que tocam algum instrumento saberão, por exemplo, que para formar o acorde de Dó, nós juntamos três notas: a 1ª (Dó), a 3ª (Mi) e a 5ª (Sol). Também nos corais, a divisão das vozes obedece a mesma lógica. Pitágoras parecia pensar que o movimento dos planetas também produziria algum som, uma espécie de harmonia.

Vejamos o que diz Aristóteles sobre os Pitagóricos:

"Também [havia] a afirmação de que uma harmonia é engendrada pelo movimento dos astros, como sons produzidos sinfonicamente (...) Alguns pensadores deduzem que necessariamente o movimento de corpos tão grandes deve produzir um som. Pois isto já acontece com corpos sobre esta Terra, embora não tão grandes e transportados por movimentos de menor velocidade. Assim, a enorme velocidade do sol e da lua e dos astros em tão grande número e tamanho deve necessariamente produzir sons prodigiosos. Admitem isto e também que a diversa distância dos astros de seu ponto central corresponde às relações numéricas da harmonia musical. E como resultasse absurdo que não ouvimos este som, explica que o ouvimos desde o nascimento, e em consequência falta o contraste com o silêncio necessário para que o possamos perceber."

Disto tudo concluímos que a matemática está em tudo e que tudo está feito matematicamente. Ora, se tudo quanto existe está feito matematicamente, então a matemática deve ser necessariamente anterior a tudo quanto existe. Se a matemática fosse posterior ao mundo, não haveria como o mundo, já no seu início, ter sido feito matematicamente. A necessidade é que ela seja anterior. Ora, se a matemática vem antes, então é preciso admitir que tudo veio do número. É a teoria de Pitágoras. Além disso, Pitágoras dirá que os números não apenas expressam a disposição dos seres, mas que, de certo modo, os constitui.

"Os assim chamados pitagóricos, tendo-se dedicado às matemáticas, foram os primeiros a fazê-las progredir. Dominando-as, chegaram à convicção de que o princípio das matemáticas é o princípio de todas as coisas. E como os números são, por natureza, os primeiros entre estes princípios, julgando também encontrar nos números muitas semelhanças com seres e fenômenos, mas do que no fogo, na terra e na água, afirmavam a identidade de determinada propriedade numérica com a justiça, uma outra com a alma e o espírito, outra ainda com a oportunidade, e assim todas as coisas estariam em relações semelhantes; observando também as relações e leis dos números com as harmonias musicais, parecendo-lhes, por outro lado, toda a natureza modelada segundo os números, sendo estes os princípios da natureza, supuseram que os elementos dos números são os elementos de todas as coisas e que todo o universo é harmonia e número." (Aristóteles)

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Pra se divertir - A briga dos Pré-Socráticos





 






Anaximandro - A Arché é o Ápeiron



Anaximandro foi discípulo de Tales. Foi o primeiro a publicar escritos filosóficos. Curiosamente, parece ser também um precursor da teoria da evolução, ao dizer que os homens teriam vindo dos peixes.

Embora aluno de Tales, Anaximandro negava que a água fosse a arché. A origem de todos os elementos limitados não pode ser outro elemento limitado. Uma coisa que dê origem a todos os seres não pode ser nenhum deles em particular; antes, tem de estar para além deles. Desse modo, a origem dos seres do mundo não pode ser a água, ou o ar, ou nenhum dos demais seres que conhecemos. Isto é confirmado por um dos seus comentadores:

"Diz que o ilimitado é o princípio e elemento das coisas. (...) Afirma que é, não a água ou algum dos assim chamados elementos, mas uma outra natureza diferente, ilimitada, da qual seriam formados todos os céus e o cosmos naqueles contidos. (...) É evidente que Anaximandro, ao observar a transformação recíproca dos quatro elementos, não quis tomar um destes como substrato, mas um outro diferente." (Simplício)

Disto concluímos o seguinte: se a arché tem de estar além dos elementos ilimitados, ela tem de ser ilimitada. Além disso, se ela não pode ser nenhum dos elementos determinados que conhecemos, então ela deve ser indeterminada ou indefinida e, também, desconhecida, isto é, não podemos ter uma experiência direta dela, uma vez que toda a nossa experiência vem de objetos determinados e finitos.

Temos ainda que, uma vez que a arché é a origem de todas as coisas, e que sempre há seres no mundo - lembremos que para os gregos antigos, não existia a idéia da criação, o que lhes fazia pensar que o mundo era eterno -, então a Arché deve ser necessariamente imortal e eterna, pois sempre estaria originando os seres.

Podemos, então, resumir as características da Arché, segundo Anaximandro: ela é ilimitada, indefinida ou indeterminada, imortal, eterna e não experienciada. O próprio escreve:

"O ilimitado é eterno. O ilimitado é imortal e indissolúvel."

Diz, por sua vez, Aristóteles:

"Tudo ou é princípio ou procede de um princípio; ora, não há princípio do ilimitado, pois se tivesse seria limitado. No mais, por ser princípio, deve ser não engendrado e indissolúvel. Porque necessariamente tudo o que é gerado, chega a um fim, e há um termo a toda dissolução. Por isto, como dizemos, não tem princípio, mas ele próprio parece ser o princípio das outras coisas, e abraçá-las e governá-las todas".

É exatamente a característica de não conhecido que inspirará Anaximandro a nomear o seu elemento primordial. Para os gregos, o termo "não" era expresso pelo prefixo "a", costume que herdamos com algumas palavras, como "amoral" (não moral), "anormal" (não normal), "aluno" (que não tem luz), etc.

O termo "experiência" deriva de "peras", que significa "fim", "limite" ou "fronteira". Mas também vem de "peri", que possui a conotação de "ter contato com", "fazer a experiência". Como o elemento primordial de Anaximandro é um elemento com o qual não se tem contato direto, ele achou conveniente chamá-lo de "Apeiron" (ἄπειρον), isto é, "aquilo de que não se tem experiência" ou, ainda, "aquilo que não tem fronteira ou limite".

A substância primigênia de onde tudo surge

O Apeiron origina os seres a partir de um processo de separação. Visto que ele tem todas as coisas sem ser nenhuma delas, alguma coisa se define à medida em que se separa dele. Imaginemos um amontoado com todos os átomos existentes. Este amontoado não será nenhum ser em particular, mas terá aquilo que forma todos os seres. Se quisermos obter água, tudo o que devemos fazer é pegar dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, e separá-los daquela sopa atômica, e, então, água é o que teremos. O mesmo se dá com todas as demais coisas.

Anaximandro dirá ainda que o Ápeiron origina as coisas a partir de duplas de contrários: quente, frio; alto, baixo; preto, branco; belo, feio; direita, esquerda; bem, mal; forte, fraco, etc., conforme diz Simplício:

"Anaximandro não explica a gênese pela mudança do elemento primordial, mas pela separação dos contrários em consequência do movimento eterno".

Clique na imagem para ver maior.

Uma vez que as coisas definidas se destroem, elas retornam ao Ápeiron, conforme ele nos diz:

"Todas as coisas se dissipam onde tiveram a sua gênese, conforme a necessidade; pois pagam umas às outras castigo e expiação pela injustiça, conforme a determinação do tempo."

Ele usa a expressão "injustiça" como sinal da separação destes elementos da sua fonte. Daí que, a fim de cumprir a justiça, eles deverão retornar para lá, uma vez que cesse a sua determinação.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Anaxímenes - A Arché é o Ar


Anaxímenes também era de Mileto, como Tales. Viveu entre 585 a.C até cerca de 528 ou 525 a.C. Nada mais se sabe sobre ele. Uma curiosidade: ele foi o primeiro a perceber que a lua não tem luz própria e que recebe a luz do sol.

Anaxímenes também estava em busca da Arché. Neste processo, ele pareceu focar sua atenção na importância da respiração nos seres vivos. Com efeito, tanto animais quanto plantas respiram. Os minerais, que não respiram, não são vivos. 

Notou também que a respiração possui os movimentos de inspiração e expiração. Quando uma pessoa morre, a sua última respiração é uma expiração, isto é, para fora. Ou seja: a morte faz com que o ar saia do corpo. Talvez por isso, Anaxímenes dizia que a alma é ar. Um dos fragmentos dele diz o seguinte:

"Como nossa alma, que é ar, nos governa e sustém, assim também o sopro e o ar abraçam todo o cosmos."

Para Anaxímenes, então, a Arché é o Ar.

"Do ar dizia que nascem todas as coisas existentes, as que foram e as que serão, os deuses e as coisas divinas" Hipócrates falando sobre Anaxímenes

De novo, se o ar é a origem de todas as coisas, é preciso que ele possa se transformar em todas as coisas. E isto se dá, segundo Anaxímenes, a partir de dois movimentos do ar:

1- Movimento de Rarefação ou Dilatação - é quando o ar fica mais "espalhado";
2- Movimento de Condensação ou Compressão - é quando o ar fica mais "apertado".

Notem a diferença:


Dirá ainda o Hipócrates, a respeito da teoria de Anaxímenes:

"Quando o ar se rarefaz, torna-se fogo; e quando se condensa, vento; com maior condensação, nuvem; se for mais forte, água; se mais forte ainda, terra; e com sua extrema condensação, transforma-se o ar em pedra."

Vejamos: se o ar se concentra, ele se torna vento. Isso pode ser observado, não é? Sobretudo, se vamos à praia, notamos que o vento já é mais potente do que o mero ar que respiramos. Se, porém, ele se condensa mais um pouco, ele se torna nuvem. A nuvem é feita de quê? De ar, obviamente. Mas ela está num estado já tão concentrado que o ar se torna visível. E se a nuvem ficar carregada? O que acontece? Chuva! Ou seja, da nuvem sai água. Daí o Anaxímenes pensar que todas as coisas são formas diferentes do ar. 

Portanto, tudo vem do ar e tudo é ar.

Tales de Mileto - A arché é a água

Esqueçam o "prático". Tales, na verdade, era um contemplativo.

O primeiro filósofo foi Tales de Mileto. Mileto era uma importante cidade da Grécia. Pouco se sabe da vida de Tales, e é improvável que tenha escrito algum livro. Foi chamado por Aristóteles como o fundador da Filosofia.

Em sua busca pela origem do cosmos, Tales deparou-se com a importância particular da água na vida dos seres vivos. De fato, ele constatou:

- Tudo quanto é vivo é constituído de água;
- Quando chove, sempre nasce algo;
- Quando falta água, os seres morrem;
- Quando os seres morrem, eles secam;
- Quando um animal é gerado, ele fica dentro de um recipiente cheio de líquido;
- O princípio de geração dos animais, o sêmen, é líquido, e, portanto, feito de água;


Por causa dessas coisas, observadas por Tales, ele deduziu que a água era o princípio de todas as coisas. Vejamos o que diz Aristóteles sobre a teoria do primeiro filósofo:

"Tales diz que o princípio é a água,
pelo que ele sustentava que a própria terra
está fundada sobre a água. (...)

Por isso Tales aderiu a tais conjecturas,
e ainda mais porque as sementes
de todas as coisas
possuem uma natureza úmida
e a água nas coisas úmidas
é o princípio de sua natureza".

Logo, Tales dirá que é a água a arché ou origem de todas as coisas. No entanto, se assim é, a água deveria possuir em si a capacidade de se transformar nos outros seres, isto é, de se tornar aquilo que ela não é, pelo menos no seu estado de água. Sabemos que a água possui três estados: líquido, sólido e gasoso. Se pegarmos um copo de água com gás e um cubo de gelo, teremos, num mesmo lugar, água nos três estados.

Sabemos que o ar não é o mesmo que a água. No entanto, é possível transformar a água em ar. Isto acontece quando a fervemos aos 100º celsius. Se, aí, podemos contemplar a água se transformando em vento, esta é uma prova de que a água pode se tornar aquilo que ela não é. No gelo, também a vemos mudar de estado e assumir um aspecto sólido. Portanto, se ela é passível de alterações, nada impede que se transforme em outras coisas além de ar e gelo.

Para Tales, a água existe em infinitos estados, pois tudo quanto existe teria vindo da água, e seria água, em diferentes estados. Desse modo, o que muda de uma pedra para uma árvore é o estado, pois ambos seriam água.

Escreveu o filósofo Cícero:

"Tales de Mileto, o primeiro a indagar estes problemas, disse que a água é a origem das coisas e que deus é aquela inteligência que tudo faz da água."

Pra se divertir - Ariano Suassuna e a Teoria da Evolução

Filósofos Pré-Socráticos


Os primeiros filósofos chamavam-se físicos, pois estudavam a Physis, ou natureza. No entanto, eles são mais conhecidos por "Pré-Socráticos", pois vieram antes de Sócrates, que é um divisor de águas na Filosofia.

Os pré-socráticos queriam usar os critérios do Lógos para conhecer, e a primeira coisa que quiseram investigar foi justamente aquilo que estava ao seu redor, isto é, o mundo, a physis.

A primeira coisa que eles perceberam foi que o mundo possui uma regularidade: todos os dias possuem uma manhã, à qual sucede uma tarde, e, em seguida, uma noite, precedendo esta a madrugada, para, então, reiniciar-se o ciclo. O mesmo ocorre com as estações do ano, e com os anos mesmos. Em cada dia, o sol nasce e se põe. Em determinadas estações do ano faz calor, em outras, faz frio; em outras, ainda, o clima é uma espécie de meio termo. Há o tempo dos frutos, e há o tempo em que eles não existem. Uma árvore dá sempre frutos da sua espécie, e o mesmo ocorre com um animal, cujos filhotes nunca diferem da sua espécie. Tudo quanto existe parece estar organizado, ordenado. Para expressar essa idéia, os primeiros filósofos usaram o termo grego "Cosmos" ou "Kósmos" (κόσμος), que significa exatamente isto: ordem, organização.



Cosmos é o oposto de caos, que sugere a idéia de desordem ou bagunça. O mundo estava organizado. Logo, o mundo era cosmos. Essa é a primeira descoberta dos pré-socráticos. A consequência era que, se o mundo está ordenado, ele possui um sentido interno, ou seja, um lógos ou uma lógica. Portanto, pode ser compreendido. É o lógos o que dá ordem, isto é, o que torna cósmos. Se o mundo é cosmos, é porque possui lógos. Desse modo, revelava-se possível às pessoas entender o mundo a partir de suas inteligências pessoais. Isto fez com que elas se tornassem cada vez menos dependentes dos mitos para a compreensão do mundo.

Uma característica importante dos pré-socráticos era a de procurar a origem do cosmos num elemento material, ou, pelo menos, num grupo deles. Este elemento primeiro seria supostamente a origem todos os demais. Os gregos o chamarão pelo nome de "Arché" (pronuncia-se "arqué"), ἀρχή, e significa "origem". Além de originário, este elemento também seria constitutivo, isto é, tudo quanto existe seria um estado diferente deste mesmo elemento.

A idéia de que todas as coisas vieram de uma unidade não nos deve parecer estranha. Primeiramente, todos nós estamos acostumados à idéia da criação segundo a qual Deus, que é Um, fez tudo quanto existe. 


Também a moderna Teoria da Evolução, de Charles Darwin, concebe que a imensa variedade de seres no mundo possui um ancestral comum, isto é, veio de um mesmo ser, no iniciozinho, e que, a partir de complicados processos físico-químicos, evoluiu e se diversificou.

Mito e Lógos


Antes do surgimento da Filosofia, no final do séc. VII e início do VI a.C., os gregos buscavam explicar a realidade a partir de critérios diferentes. Vimos anteriormente que o ser humano deseja, pela sua própria natureza, conhecer. Se a Filosofia possui um início, isto significa que, antes dela, os humanos, que já desejavam conhecer, o faziam por outra forma. Esta forma era o Mito.

Mito vem do grego "mithós" (μυθος), significa "verdade contada" ou "narrada" e indica um modo de conhecimento que consiste na explicação sobre a origem das coisas a partir dum relato que é contado de boca em boca e está imbuído de autoridade, pois provém, primeiramente, de uma revelação divina. O mito narra, portanto, um acontecimento primordial, como o nascimento dos deuses, ou do mundo, ou a origem do mal, etc. Obviamente, estes fenômenos ocorreram sem que houvesse testemunhas humanas. De que modo, portanto, pode-se saber deles? 

O deus Apollo revelando-se
O mito se dá por revelação. Uma divindade decide revelar-se para um sujeito em particular, que recebe o nome de oráculo ou de poeta-rapsodo, pois ele narra o que lhe foi mostrado a partir de versos. Esta narração é, então, crida pelos demais, pois o poeta rapsodo costumava já ser reconhecido pelos demais como uma autoridade religiosa. E, então, a verdade contada é passada de pessoa a pessoa.

O mito, deste modo, revela-se inquestionável, seja pela sua fonte divina, seja porque é impossível de ser verificável, já que nenhum humano é capaz de subir aos céus e constatar que os raios realmente são flechas de Zeus. Portanto, o mito era um tipo de conhecimento que pressupunha a Fé. Daí a sua semelhança com a religião.

Também no Cristianismo, Judaísmo e Islamismo, há um relato da criação, onde se diz que Deus fez o mundo
Zeus atirando raios
do nada. Ora, obviamente ninguém foi testemunha deste fato, a não ser Deus mesmo. De que modo, então, tomamos conhecimento dele? Foi preciso que surgisse algum homem, supostamente autorizado por Deus, e a quem Deus tivesse se revelado e contado as verdades sobre o início. Em seguida, o profeta escolhido comunicava o que havia recebido aos demais, que, então, ou criam, ou não criam, não existindo uma outra alternativa, já que não está acessível a ninguém saber por si mesmo como se deram os eventos naquele passado remoto.

Expulsão de Adão e Eva do Éden

Ocorreu, porém, que algumas pessoas começaram a achar insuficientes as explicações que os mitos davam, já que isto as submetia às possibilidades de um engano. Por causa disso, passaram a querer conhecer a natureza por si mesmos. Isto não fez com que abandonassem os mitos de vez, mas eles passaram a usar a própria inteligência para conhecer ao menos aquilo que estava ao seu alcance. 

Primeiros filósofos
O uso da inteligência vai caracterizar exatamente o Lógos (λόγος), palavra grega que significa "palavra" ou "sentido", ou, ainda, "razão". Esta passagem do mito ao lógos é o que vai significar o nascimento da Filosofia. Este novo modo de conhecimento não exige que se creia na palavra de um outro, mas que cada um, pelo uso correto da inteligência, constate as verdades por si mesmo. Por exemplo: se um pai diz à sua criança que o fogo queima e que, portanto, ela deve ficar longe das chamas, ela pode simplesmente acreditar no que o seu pai diz - o que seria algo semelhante com o conhecimento mítico -, ou ela pode fazer a experiência por si mesma - o que seria o próprio da Filosofia.  Do mesmo modo, sabemos que dois mais dois são quatro, não somente porque o ouvimos quando crianças, mas porque percebemos que esta soma está correta na nossa própria mente, sendo dispensável que alguém no-lo confirme.

O lógos, diferente do mito, é sempre questionável, pois cada pessoa, nele, deve fazer uso da própria inteligência, que lhe pertence individualmente. Logo, é verificável. E, ao invés de crido, é entendido e percebido mentalmente. O lógos é o tipo de conhecimento próprio da Filosofia.

O termo lógos vai dar origem a outras palavras, como "lógica" ou "logia", que costumamos traduzir por estudo. Assim, a biologia seria o estudo da vida; a teologia, o estudo de Deus, etc. Estas ciências podem ser entendidas porque elas têm lógos, ou uma lógica interna.

Notemos que, quando algo não é compreensível, dizemos que não tem lógica. Portanto, aquilo que tem lógica (lógos) pode ser compreendido. Isso vai ser fundamental para que compreendamos como os primeiros filósofos desenvolveram suas teorias.