sexta-feira, 23 de maio de 2014

Mito e Lógos


Antes do surgimento da Filosofia, no final do séc. VII e início do VI a.C., os gregos buscavam explicar a realidade a partir de critérios diferentes. Vimos anteriormente que o ser humano deseja, pela sua própria natureza, conhecer. Se a Filosofia possui um início, isto significa que, antes dela, os humanos, que já desejavam conhecer, o faziam por outra forma. Esta forma era o Mito.

Mito vem do grego "mithós" (μυθος), significa "verdade contada" ou "narrada" e indica um modo de conhecimento que consiste na explicação sobre a origem das coisas a partir dum relato que é contado de boca em boca e está imbuído de autoridade, pois provém, primeiramente, de uma revelação divina. O mito narra, portanto, um acontecimento primordial, como o nascimento dos deuses, ou do mundo, ou a origem do mal, etc. Obviamente, estes fenômenos ocorreram sem que houvesse testemunhas humanas. De que modo, portanto, pode-se saber deles? 

O deus Apollo revelando-se
O mito se dá por revelação. Uma divindade decide revelar-se para um sujeito em particular, que recebe o nome de oráculo ou de poeta-rapsodo, pois ele narra o que lhe foi mostrado a partir de versos. Esta narração é, então, crida pelos demais, pois o poeta rapsodo costumava já ser reconhecido pelos demais como uma autoridade religiosa. E, então, a verdade contada é passada de pessoa a pessoa.

O mito, deste modo, revela-se inquestionável, seja pela sua fonte divina, seja porque é impossível de ser verificável, já que nenhum humano é capaz de subir aos céus e constatar que os raios realmente são flechas de Zeus. Portanto, o mito era um tipo de conhecimento que pressupunha a Fé. Daí a sua semelhança com a religião.

Também no Cristianismo, Judaísmo e Islamismo, há um relato da criação, onde se diz que Deus fez o mundo
Zeus atirando raios
do nada. Ora, obviamente ninguém foi testemunha deste fato, a não ser Deus mesmo. De que modo, então, tomamos conhecimento dele? Foi preciso que surgisse algum homem, supostamente autorizado por Deus, e a quem Deus tivesse se revelado e contado as verdades sobre o início. Em seguida, o profeta escolhido comunicava o que havia recebido aos demais, que, então, ou criam, ou não criam, não existindo uma outra alternativa, já que não está acessível a ninguém saber por si mesmo como se deram os eventos naquele passado remoto.

Expulsão de Adão e Eva do Éden

Ocorreu, porém, que algumas pessoas começaram a achar insuficientes as explicações que os mitos davam, já que isto as submetia às possibilidades de um engano. Por causa disso, passaram a querer conhecer a natureza por si mesmos. Isto não fez com que abandonassem os mitos de vez, mas eles passaram a usar a própria inteligência para conhecer ao menos aquilo que estava ao seu alcance. 

Primeiros filósofos
O uso da inteligência vai caracterizar exatamente o Lógos (λόγος), palavra grega que significa "palavra" ou "sentido", ou, ainda, "razão". Esta passagem do mito ao lógos é o que vai significar o nascimento da Filosofia. Este novo modo de conhecimento não exige que se creia na palavra de um outro, mas que cada um, pelo uso correto da inteligência, constate as verdades por si mesmo. Por exemplo: se um pai diz à sua criança que o fogo queima e que, portanto, ela deve ficar longe das chamas, ela pode simplesmente acreditar no que o seu pai diz - o que seria algo semelhante com o conhecimento mítico -, ou ela pode fazer a experiência por si mesma - o que seria o próprio da Filosofia.  Do mesmo modo, sabemos que dois mais dois são quatro, não somente porque o ouvimos quando crianças, mas porque percebemos que esta soma está correta na nossa própria mente, sendo dispensável que alguém no-lo confirme.

O lógos, diferente do mito, é sempre questionável, pois cada pessoa, nele, deve fazer uso da própria inteligência, que lhe pertence individualmente. Logo, é verificável. E, ao invés de crido, é entendido e percebido mentalmente. O lógos é o tipo de conhecimento próprio da Filosofia.

O termo lógos vai dar origem a outras palavras, como "lógica" ou "logia", que costumamos traduzir por estudo. Assim, a biologia seria o estudo da vida; a teologia, o estudo de Deus, etc. Estas ciências podem ser entendidas porque elas têm lógos, ou uma lógica interna.

Notemos que, quando algo não é compreensível, dizemos que não tem lógica. Portanto, aquilo que tem lógica (lógos) pode ser compreendido. Isso vai ser fundamental para que compreendamos como os primeiros filósofos desenvolveram suas teorias.

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