quarta-feira, 19 de março de 2014

Platão: Sensibilidade x Razão


Para compreendermos Platão, é preciso, primeiramente, reconhecermos que nós temos em nós dois modos de conhecer. O primeiro é o dos 5 sentidos: visão, audição, tato, olfato e paladar. O segundo é o da Razão.

A razão é interna a nós. Já os sentidos são como janelas que nos informam sobre aquilo que acontece fora de nós. Ao sairmos de casa, vemos pessoas, escutamos sons, sentimos cheiros, tocamos objetos, etc. Todos esses conhecimentos nos vêm pelos sentidos.

Os sentidos são janelas

Ao entrarem em nós, essas informações sensíveis (dos sentidos) comunicam-se à razão.

Porém, existem também conhecimentos específicos que são da razão, e não dos sentidos. Por exemplo: quando calculamos 5+5, nós sabemos que o resultado é dez, não porque vejamos ou escutemos. Não é nenhum sentido que faz o cálculo, mas a pura razão. O mesmo ocorre quando dizemos que todo ser humano é mortal. Ora, não há como sabermos isto pelos sentidos. De fato, é verdade que vemos uma ou outra pessoa mortas. Porém, daí não é possível dizer, com base nisso, que todas as pessoas morrem. Se assim fosse, ao virmos algumas pessoas com diabetes, diríamos que todas as pessoas têm diabetes, o que não é correto. Ora, sabemos que todas as pessoas morrem por uma operação da pura razão. Só ela pode dizer da totalidade dos homens mesmo que os sentidos nunca tenham visto a todos os homens, etc.

Pelos sentidos, nós conhecemos somente as realidades físicas: cores, tamanhos, cheiros, gostos, formas, etc. Isto significa que qualquer realidade que não seja material não será percebida pelos sentidos: ex.: pensamentos, sonhos, desejos, e quaisquer realidades sobrenaturais, como anjos, almas, Deus, etc. Estas outras realidades, se podem ser conhecidas, o podem a partir ou da pura razão ou de alguma outra capacidade interna humana.

O conhecimento que vem dos sentidos chama-se 'conhecimento sensível' ou 'sensibilidade'. O conhecimento que vem da razão chama-se 'conhecimento racional'.

Agora, observemos os casos abaixo e digamos se eles são conhecimentos sensíveis (e de qual sentido) ou racionais:

1- O sol é menor que a terra;
2- A laranja estava doce;
3- A equação estava correta;
4- O barulho é muito alto;
5- As pessoas têm sonhos;
6- A palavra estava escrita errada. 

Respostas:

1- é um conhecimento sensível, porque dizemos que o sol é menor que a terra com base naquilo que vemos. No entanto, sabemos que o sol, na verdade, é bem maior que a terra. Este último conhecimento é racional.
2- Conhecimento sensível; paladar.
3- Conhecimento racional, porque é a razão que calcula; lembremos que equações são operações matemáticas;
4- Conhecimento sensível; audição;
5- Conhecimento racional, pois não é possível saber, pelos sentidos, dos sonhos das pessoas, a menos que elas contem. No entanto, mesmo que não nos digam, sabemos que elas têm sonhos;
6- Conhecimento racional. À primeira vista, podemos pensar que se trata de um conhecimento sensível, pois conhecemos a palavra escrita pela visão. No entanto, é a razão que percebe se ela está certa ou errada. O olho apenas informa, mas não sabe dizer se está correta. Este é um trabalho da razão.

Os conhecimentos sensíveis são, ainda, mutáveis, isto é, estão sempre nos dando informações que mudam. Três pessoas irão discordar sobre a frieza do tempo ou de um ar condicionado, bem como sobre a doçura ou o amargor de um café. Uma mesma pessoa terá opiniões diferentes sobre uma mesma música desde que a escute diversas vezes, etc. Os sentidos sempre nos dizem algo diferente. Se assim é, não é possível saber, através deles, como é a realidade em si mesma. Se uma pessoa diz que o café está amargo, outra diz que está doce, outra ainda que não está nem amargo nem doce, como sabermos se o café está, de fato, bom? Se uma pessoa nos diz que o ar condicionado está muito frio, outra diz que não está e que ainda está quente, e outra, enfim, diz que o clima está perfeito, como saber a realidade? Pelos sentidos, não é possível.

Pelos sentidos, então, não é possível dizer o que são as coisas, já que aquilo que eles nos dizem está sempre mudando. Aquele que se baseia nos sentidos para falar da realidade termina emitindo uma impressão individual e particular, que chamamos de opinião.

A razão, pelo contrário, nos diz sempre a mesma coisa. Se perguntarmos se o tempo está frio ou quente, as pessoas discordarão porque estão usando a sensibilidade. Porém, se perguntarmos: "o que é o frio?", estamos forçando-as a responder usando a razão e, assim, as respostas serão sempre as mesmas e nunca mudarão. Mesmo que cada um a expresse de um modo diferente, no fundo a idéia será a mesma. 2+2=4 - Esta é uma verdade válida desde o início do mundo e será válida até o fim do mundo, em qualquer lugar. Isto se dá porque a razão nos dá informações que correspondem à realidade e que, por isso, não mudam, a menos que a realidade mude, o que não ocorre.

A razão nos dá, não a opinião, mas a verdade.

Do acima dito, podemos concluir que a razão - que sempre nos diz a mesma coisa - é mais confiável que os sentidos - que nos dizem sempre coisas diferentes. Platão, ao perceber isto, chegará a afirmar algo muito sério: a realidade sensível, tal qual a conhecemos, é uma grande ilusão.

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