segunda-feira, 26 de maio de 2014

Anaximandro - A Arché é o Ápeiron



Anaximandro foi discípulo de Tales. Foi o primeiro a publicar escritos filosóficos. Curiosamente, parece ser também um precursor da teoria da evolução, ao dizer que os homens teriam vindo dos peixes.

Embora aluno de Tales, Anaximandro negava que a água fosse a arché. A origem de todos os elementos limitados não pode ser outro elemento limitado. Uma coisa que dê origem a todos os seres não pode ser nenhum deles em particular; antes, tem de estar para além deles. Desse modo, a origem dos seres do mundo não pode ser a água, ou o ar, ou nenhum dos demais seres que conhecemos. Isto é confirmado por um dos seus comentadores:

"Diz que o ilimitado é o princípio e elemento das coisas. (...) Afirma que é, não a água ou algum dos assim chamados elementos, mas uma outra natureza diferente, ilimitada, da qual seriam formados todos os céus e o cosmos naqueles contidos. (...) É evidente que Anaximandro, ao observar a transformação recíproca dos quatro elementos, não quis tomar um destes como substrato, mas um outro diferente." (Simplício)

Disto concluímos o seguinte: se a arché tem de estar além dos elementos ilimitados, ela tem de ser ilimitada. Além disso, se ela não pode ser nenhum dos elementos determinados que conhecemos, então ela deve ser indeterminada ou indefinida e, também, desconhecida, isto é, não podemos ter uma experiência direta dela, uma vez que toda a nossa experiência vem de objetos determinados e finitos.

Temos ainda que, uma vez que a arché é a origem de todas as coisas, e que sempre há seres no mundo - lembremos que para os gregos antigos, não existia a idéia da criação, o que lhes fazia pensar que o mundo era eterno -, então a Arché deve ser necessariamente imortal e eterna, pois sempre estaria originando os seres.

Podemos, então, resumir as características da Arché, segundo Anaximandro: ela é ilimitada, indefinida ou indeterminada, imortal, eterna e não experienciada. O próprio escreve:

"O ilimitado é eterno. O ilimitado é imortal e indissolúvel."

Diz, por sua vez, Aristóteles:

"Tudo ou é princípio ou procede de um princípio; ora, não há princípio do ilimitado, pois se tivesse seria limitado. No mais, por ser princípio, deve ser não engendrado e indissolúvel. Porque necessariamente tudo o que é gerado, chega a um fim, e há um termo a toda dissolução. Por isto, como dizemos, não tem princípio, mas ele próprio parece ser o princípio das outras coisas, e abraçá-las e governá-las todas".

É exatamente a característica de não conhecido que inspirará Anaximandro a nomear o seu elemento primordial. Para os gregos, o termo "não" era expresso pelo prefixo "a", costume que herdamos com algumas palavras, como "amoral" (não moral), "anormal" (não normal), "aluno" (que não tem luz), etc.

O termo "experiência" deriva de "peras", que significa "fim", "limite" ou "fronteira". Mas também vem de "peri", que possui a conotação de "ter contato com", "fazer a experiência". Como o elemento primordial de Anaximandro é um elemento com o qual não se tem contato direto, ele achou conveniente chamá-lo de "Apeiron" (ἄπειρον), isto é, "aquilo de que não se tem experiência" ou, ainda, "aquilo que não tem fronteira ou limite".

A substância primigênia de onde tudo surge

O Apeiron origina os seres a partir de um processo de separação. Visto que ele tem todas as coisas sem ser nenhuma delas, alguma coisa se define à medida em que se separa dele. Imaginemos um amontoado com todos os átomos existentes. Este amontoado não será nenhum ser em particular, mas terá aquilo que forma todos os seres. Se quisermos obter água, tudo o que devemos fazer é pegar dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, e separá-los daquela sopa atômica, e, então, água é o que teremos. O mesmo se dá com todas as demais coisas.

Anaximandro dirá ainda que o Ápeiron origina as coisas a partir de duplas de contrários: quente, frio; alto, baixo; preto, branco; belo, feio; direita, esquerda; bem, mal; forte, fraco, etc., conforme diz Simplício:

"Anaximandro não explica a gênese pela mudança do elemento primordial, mas pela separação dos contrários em consequência do movimento eterno".

Clique na imagem para ver maior.

Uma vez que as coisas definidas se destroem, elas retornam ao Ápeiron, conforme ele nos diz:

"Todas as coisas se dissipam onde tiveram a sua gênese, conforme a necessidade; pois pagam umas às outras castigo e expiação pela injustiça, conforme a determinação do tempo."

Ele usa a expressão "injustiça" como sinal da separação destes elementos da sua fonte. Daí que, a fim de cumprir a justiça, eles deverão retornar para lá, uma vez que cesse a sua determinação.

4 comentários:

  1. Muito obrigada por esses esclarecimentos! Acompanharei o blog. :)

    ResponderExcluir
  2. Este texto é excelente. Por isso mando o autor ir se foder!

    ResponderExcluir
  3. Houve erro em "'aluno' (que não tem luz)", mito hoje muito propagado, pois aluno provém do L., ALUMNUS, "criança de peito, lactente, menino", literalmente “afilhado”, derivado de ALERE, “fazer aumentar, alimentar, nutrir”.

    ResponderExcluir